sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Poema do Triângulo Circular Cruzado

Poema do Triângulo Circular Cruzado
(R+C)

Um barco a vela para se navegar
Um espelho negro para aprofundar
Uma espada invertida para conquistar
Um desejo firme para transmutar:

Alcei a corda
Chamei as ondas
Lacei o mar
Com meu amor

Saiu o barco
Soprou o vento
Meu doce intento
De velejar

Morango em calda
Azeite em fios
Oceano azul
de sutil degustar

Degustar meu cheiro
Perfumar meu beijo
Encontrar um jeito
De em mim nadar

Viajei aos campos
Desejei meus cantos
A descer as serras
Para respirar

Eu ouvi teu toque
Eu toquei teus dedos
Suspirei teus olhos
Pra te re-encontrar

Afaguei teu peito
Que abrigou a carne
Que pulsou o sangue
Do amanhecer

Reclinou o sol
na escuridão da alma
que elevou a rosa
no anoitecer

E me trouxe vida
Que tornou-se ida
De um caminho belo
Para renascer

E agora rio
Do correr da água
Que molhou a pena
Vou, assim, voar

Voe, então comigo
Para o paraíso
Ao inferno frio
A qualquer lugar

Mas que seja leve
Como cai a neve
...E que seja eterno
Enquanto durar...

Daniel Alabarce

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Bildung e a Desculpabilização da Experiência de Voar

Cá estou a me perguntar acerca do barulho de todas as relações humanas e tento averiguar se há de fato algo que mereça ser ponderado.

O que eu teria de tão diverso? E se tiver, porque também não o teriam todos os demais?

Um prisma. Sim, a questão diz respeito a um prisma que sempre é original. Somos todos prismas, cada qual e a seu próprio modo, que permitem uma difusão variável e propiciam que a Luz seja emitida em infinitas nuances.

Mas que cinza podre é este que me transmitem?

Acaso algum é suficientemente forte para me fazer aceitar e me subjugar à estúpida balbúrdia dos homens!

Já não sei se sou eu quem alto demais voou ou se apenas acreditei demais em minhas asas. Que mal, porém, vos faço aqui de minhas próprias alturas? O máximo que alcanço realizar seria gritar a vos chamar ou deveria esperar que, assim como eu fiz, subam apenas a vosso tempo?
Eis aí minha crua resposta: Eu subi porque desejei subir, ninguém jamais teria conseguido, por melhor ou maior força, obrigar-me à elevação, pois a Sabedoria e a Liberdade lançam convites sutis aos homens e somente por livre vontade é possível passar a voar.

Deixai que cada um se realize e se plenifique a si próprio e por sua própria nobreza interna; nós, no entanto, aguardamos ansiosos por estender a mão...

O que me leva a possuir tão firme convicção? Por qual razão suficiente eu penso que minha perspectiva seja melhor? Por acaso não é boa também a visão alheia? E porventura os outros, igualmente, acreditam em sua verdade interna? E se é deste modo, porque só encontro tal emissão em tão poucos? Ou será que não é de minha alçada vasculhar luzes que não sejam aquelas que se encontram dentro de mim?

Continuo acreditando na luz dos homens, mas porque eles não a transpiram?

E que culpa tenho eu se, passando a ver luz em mim (após tão densas trevas), não possa mais compactuar com quem renegue a sua própria? Devo eu, então, tolher-me para lançar-me novamente na completa ignorância infame?
Jamais!

E porque, demônios das profundezas tartáreas, desejo tanto que me ouçam, ou que me faça por entendido se não é de interesse alheio ver perspectivas outras?
Afinal, eu mesmo me recuso a por meus olhos em qualquer prisma que me apresentem...

Entretanto, confesso, que uma grande parte de prismas eu já experimentei, e foi exatamente por me permitir ampliar minha degustação de olhares que agora posso dizer quais me elevam e quais me sujam!

Sim! E não tornarei a olhar o mundo como olha um escravo, pois a preço mui caro tenho desvelado minha liberdade.
Agora! Este é meu momento de conhecer-me. Julguem-me se assim desejarem, já não me envergonharei mais do que, sendo, me torno.

No final das contas, que tenho eu a perder se para voar tive que morrer? E que tenho eu a temer se morrendo, já me encontro enterrado no seio de meu próprio inferno?

Resta agora, ressurrecto em minha ínfima glória, aceitar meu destino novo e eterno: a Vida!

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Eureka - problematizar o problema

A grande maioria das pessoas enxerga apenas com dois olhos e se esquece que temos um aparato quase infinito e recursos admiráveis na degustação da realidade.
A despeito de todos os problemas filosóficos que podemos encontrar diante desta questão, tais como se é possível acessar a realidade-em-si ou se tudo o que podemos obter das coisas que estão fora de nós mesmos não passa de uma interpretação realizada a posteriori de dados captados pelos nossos sentidos, penso que seja de suma importância, como introdução ou base inicial fundante, ter, pelo menos, a noção de que o mundo existe e a realidade está aí independente de poder ser pensada por alguma espécie (no caso, a nossa).

Tendo dito isso, acho que podemos enfiar nossa língua em terras mais profundas ou alçarmos voos mais altos, não importa se para cima ou para baixo, pois estamos agora pensando para além das direções norte, sul, leste, oeste e suas subdenominações.

Há um imbricamento de sistemas, que seguem em seu curso criativo e transformativo que realiza um tipo de conexão sutil entre todas as coisas, podemos chamar isto que dá adesão a tudo pelo nome que quisermos, e corremos mesmo o perigo de esbarrar em questões parecidas com as dos primeiros filósofos escolásticos que se debatiam por descobrir se os universais eram nomes ou entidades realmente existentes.

Esta pedra metafórica, este elemento que subjaz, esta alquimia impossível a que somos convidados, este convite por decifrar o indecifrável, navegar um não-lugar oceânico em sua imensidão de variações infinitas dentro de um barco furado pela incapacidade da densidade que não pode, por necessidade lógica, atingir o alvo. Voar sem asas, mergulhar sem guelras ou máscaras de oxigênio, aprofundar sem ter pás, se dissolver no absurdo que nossa consciência jamais poderia aceitar... a não ser que de algum modo pudesse intuir seu poder de superar o insuperável...

Neste momento específico em que escrevo tais linhas já não consigo sequer pensar o que tais elucubrações signifiquem, porque penso ter chegado naquele ponto em que o abismo se coloca com tamanha veemência que melhor é evitar até o esforço de respirar para, por algum motivo espantoso, não acabar sendo tragado pela escuridão sedutora.

Fato é que o ponto de interrogação nunca se me apresentou com tamanha pompa e com uma graciosidade tão elegante e suave que chega a botar medo a qualquer filósofo ou buscador.

Não consigo pensar em linha reta por enquanto, só o que experiencio é um borbulhar de lapsos que, caótico, começa a estender os braços em direção a outros lapsos, construindo uma gigantesca teia nervosa...

Como poderei dar um salto se não tenho instrumentos para tanto? Sabendo da limitação da palavra, dos signos, das imagens... seria possível inventar algo para além? Como expressar uma compreensão que, no meu interior se apresenta tão nítida, mas que não encontra formas para subir à língua? (E será mesmo que é preciso dizer, definir, cercear um entendimento livre e gratuito que está a se perfazer e que eleva não apenas a mim mas a todos que estão ao redor?) Quê será isso que comigo se comunica sem se comunicar e que, olhando-me, interpela-me sem nada dizer? Como interagir com o irracional que agora se faz presente em sua abertura infinita que ultrapassa a objetividade cognitiva da razão?

O que resta é apenas uma fumaça que serpenteia acima de um ponto, como se dançasse por sobre o ponto, zombeteira, rindo porque se recusa fechar-se na delimitação: "?"

sábado, 7 de setembro de 2013

Indicação de Filme: Jet Boy

De repente... Um garoto de treze anos comprando heroína pra sua mãe que estava ocupada demais com sua orgia particular. Era seu aniversário, mas não dava para contar as velas do bolo, pois não havia bolo e ele fez, como parte da tradição, um pedido, inocente pedido que terminou por se realizar. De repente... Uma mulher ali na cama, usando heroína, acaba de morrer de overdose e, de repente, um garoto está sozinho, completamente jogado à sua própria sorte, a metáfora do presente mais precioso que lhe poderiam oferecer: o destino.
Um garoto como esse jamais seria como um garoto qualquer que joga, que brinca, que corre. Para sobreviver a única coisa que tinha era seu próprio corpo, e a única referência era sua mãe.
A história tecida em Jet Boy é a história de muitos garotos anônimos e de muitos adultos que foram obrigados, na infância, a sacrificarem seu próprio direito de sorrir por sua subsistência num mundo cruel e traiçoeiro como o nosso.
Como todo bom filme, e como toda boa obra de arte, precisamos de uma catarse, de hybris, necessitamos ver a realidade pintada, a verdade transeunte que é purificada pelas máscaras dionisíacas, o véu que encobre sem jamais esconder totalmente, a sutil nuance de sombra que transforma a vida trágica em drama existencial que procura sempre resgatar nosso olhar objetivo e decepcionado com o peso sufocante de estarmos todos jogados no palco e cutucar, com certa audácia, as nossas costelas a fim de encontrar algum riso, mesmo que forçado, ou alguma esperança, mesmo que amarela.
Temos a arte para não morrer da verdade, diria Nietzsche, o velho. E com tamanha maestria não poderia dizer melhor.
Após ter perdido sua mãe, Nathan passa a correr em direção ao oeste, mas acaba encontrando um companheiro de estrada indo para o leste e passa a descobrir a figura de um pai que nunca teve em um estranho que nunca havia visto antes, igualmente perdido em suas próprias crises, igualmente carregado de cicatrizes, mas igualmente solitário e correndo em alguma direção.
A vontade é sempre vontade de vida, mesmo a pulsão de morte é só a outra face da mesma moeda que pede, que implora por ascender, que luta pelo desejo irracional que o impele para cima, a força, o poder que ultrapassa o limite do absurdo, dos abismos, aquilo que insiste em estender a corda, construir pontes e ir além...



Filme: Jet Boy
Direção: David Schultz
Produção: Nancy Laing
Música: Byron Foster / Greg Graffin
Fotografia: Brian Whittred
País: Canadá
Ano: 2001

Gênero: Drama