quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Profusão aquática gradual

15.10.2013
04h06m

As gotas de chuva tardia
Após as horas abafadas matutinas
Galantes e tímidas festejam
Sapateando com doçura em meu telhado

O cheiro amarronzado de meu jardim
Se instaura nos cômodos de minha casa
E o vento em brisa fresca que me afaga
Entoam a música da solidão noturna

Solidão soturna dos que dormem
Despertar sutil de meus morcegos
E aranhas, e cães, e gatos
Que, tal como faço,
Saboreiam uma carícia do clarão do luar...

A dança gradativa
Intensifica a gostosa curvatura
Dos pingos d'água que morrem
No último aceno à vida de gota

Eu as observo e as experimento
Morrendo, algumas, em meu corpo
Penetrando minha epiderme e biogênese
Presenteando-me com o torpor de bem dormir

Sob o som estético do chover
Numa augusta e abafada noite
Em que apenas eu escrevo - e vivo -

Desejo-as, daqui de meu quarto,
profusas dentro de minh'alma
Gotejando com maior aceleração
Turbulentas e passionais até que me afogue...

Que me afogue no barulho aquático celeste
De sua origem distante e próxima
Um presente em forma de Chuva...
Agora, Torrencial!

Daniel Vieira de Carvalho
(o Alabarce)


terça-feira, 15 de outubro de 2013

Indústria Cultural, Wagner e Nazismo

Estou assistindo o documentário "Arquitetura da Destruição"


e achei que é um vídeo que tem muito a ver com a discussão da indústria cultural, principalmente no que diz respeito à estética nazista da propaganda (e não apenas da propaganda, mas da própria estruturação do discurso anti-semita - que, devemos reiterar, não é fenômeno exclusivo de Hitler e do partido National Sozialistische Deutsche Arbeiterpartei)
No livro Mein Kampf pode-se intuir a genialidade e inteligência de Hitler. Se ele foi um gênio mal ou não, é tarefa da Ética tal predicação. Não seremos medíocres em desconsiderar a obra intelectual de Hitler, pois é inegável sua influência em todos os ramos de saberes,
As reverberações da existência de Hitler dizem respeito inclusive às tecnologias produzidas pelos Estados Unidos, que trouxeram para si os grandes cientistas da época e que pertenciam ao partido nazista alemão (o que nos dá uma amplitude também para compreensão mais acertada da própria Indústria Cultural - e também do  contexto do surgimento da Escola de Frankfurt e a tão conhecida linha filosófica da Teoria Crítica.) Também não somos ingênuos para desconsiderar o papel dos EUA após o fim da Segunda Guerra Mundial. Que não dizer também do filósofo Heidegger, também adepto do partido nazista, e um dos que se responsabilizaram pela retomada da principal questão filosófica - deixada às margens pelos filósofos contemporâneos, a questão da temporaneidade e do sentido de Ser, em sua obra Ser e Tempo?
Por hoje, porém, trataremos de questões estéticas.
A Estética da Indústria Cultural possui nítidas influências da massiva e ostensiva propaganda dos totalitarismos (incluímos, aqui, portanto, o nazismo alemão, a propaganda comunista, soviética, italiana etc., e a própria propaganda cristã sob os auspícios da inquisição, como exemplo distante, ou dos ataques constantes de facções pentecostais contra os homossexuais, como exemplo recente - podemos incluir, para efeito de pathos filosófico [o que se costuma chamar, nos fóruns virtuais de provocação filosófica...], a linha de comportamento do atual governo brasileiro trasvestido de uma democracia invertida e revestida de uma neo-direita estranha e muito peculiar. A Indústria Cultural é, em sua essência, ou para utilizar outros termos "em sua lógica interna", um Totalitarismo, sim, com Tesão, pois é o Totalitarismo da reificação, a expressão e a cristalização de uma sociedade mumificada pelo totalitarismo das mercadorias.
A associação entre os artistas e a política não é nova, desde nossas memórias ancestrais carregamos o pesado fardo de tratar a arte como um meio, principalmente, depois dos gregos (me refiro a Sócrates, neste caso), no âmbito político. (Agora, o problema da arte pela própria arte, ou seja, a finalidade da arte... deixemos para um dia de inverno, com um chá quentinho e uma pantufa nos pés)
Wagner, o compositor alemão, é um gênio da música e sua obra influencia e é, dialeticamente, influenciada pelo 'espírito' alemão nacionalista da época.  Nietzsche chegou mesmo a considerar Wagner como o grande helenista que traria mais uma vez a virtude grega trágica aos palcos da Alemanha, mas acabou percebendo que Wagner tinha intentos bem conflituosos com sua filosofia dos espíritos livres e terminou por deixar clara sua postura em relação a este compositor que (segundo fofocas) seria uma das paixões do tio Friedrich... Na verdade, um grande números de pensadores que aderiram ao nazismo, o fizeram justamente por acreditar nesse resgate dos valores gregos, da Arte e da Civilização ideal e não necessariamente nos inúmeros outros fatores que caracterizavam o partido.
Devemos atentar nossos olhos para Wagner, pois além de compor suas óperas (as mais belas entre todas as existentes, na minha opinião), escrevia os libretos, pensava o cenário, as cenas, o teatro (comenta-se – fofocas de bastidores – que ele também desenhava o figurino dos personagens, e se aproveitava de alguns...) ou seja, ele pensava as partes e a disposição exata de sua obra na totalidade de suas manifestações - daí que não seja tão difícil entender que houvessem reações catárticas no público. Wagner, como todo bom artista (e devemos ter cuidado para não acabar por macular a imagem dos artistas), sabia muito bem conduzir a experiência artística, a experimentação estética. Nesse sentido, nenhuma arte é desprovida de intencionalidade, toda arte é essencialmente teleológica, e no nosso caso, política. A influência da arte grega, principalmente aquela encontrada nos textos aristotélicos, foi a principal pedra de toque para o romantismo e nacionalismo alemão.
É interessante notar que já na estrutura harmônica que Wagner apresenta em suas composições é possível compreender a magnitude do pensamento que o inspirava , dos ideais que o impeliam em sua criação artística e que, não há como cometer equívocos, estava conectado também com todo o contexto alemão de sua época (isso, entretanto, não nos dá o direito de condenar a música de Wagner – assim como eu não posso me proibir de apreciar as obras de Hitler, no que diz respeito estritamente à sua genialidade estética e intelectual. Espero, de coração, que me entendam sem preconceitos, não estou defendendo o nazismo de forma alguma. Tal advertência serve também, como disse anteriormente, em relação a Heidegger, por exemplo, que mesmo sendo nazista, contribuiu de forma elegantíssima para a Filosofia, tendo sido um dos que se debruçaram sobre as obras de Nietzsche com a finalidade de torná-lo mais amplo em sua poderosa intervenção contra o niilismo moderno e colaborando para o desenvolvimento dos estudos na área de Fenomenologia.).
A música wagneriana é um marco de revolução morfológica e harmônica. Há um peculiar movimento tonal que sempre se abre, nunca retorna ao seu campo harmônico de origem e um cromatismo furioso que inaugura uma espécie de libertação sonora dentro da ópera que soa como fogos de artifício, e acaba se diferenciando de uma forma admirável da estética musical no classicismo, no canto gregoriano (onde, por mais melismas que existissem na melodia, sempre, ao final, se retornava à tônica, ou seja, a primeira e a última tonalidade eram as mesmas, como uma metáfora de duas colunas que apontavam o pensamento do equilíbrio racional, do mundo medido e criado por deus e estabilizado por leis universais etc.) ou no barroco etc. Wagner intentou unificar[1] todas as artes, pretendia e se recusava a aceitar a fragmentação das artes que ele observava em outras óperas e em outros compositores. Tal feitio só pode ser dito a respeito de um gênio... Esta forma de enxergar a arte também pode ser fruto do Idealismo alemão, encontrado principalmente em Fichte (mais precisamente na obra "Fenomenologia do Espírito" de Hegel.

A Indústria Cultural realizou um feito definitivamente admirável, pois foi assimilando tais inovações e as unindo em sua lógica interna de funcionamento, tal como propõe Adorno em seu livro “O Fetichismo na Música e a Regressão da Audição”, e dá uma virada no jogo contra o próprio artista, isto é, contra o próprio produtor da obra de arte e, posteriormente, contra todos os que usufruem das obras de arte em geral. É uma sacada genial e, novamente, devemos ser rigorosos em deixar o dever da predicação aos predicadores... Retira do artista sua própria obra e a entrega à produção massificada, coisifica a criação artística e a transforma numa mercadoria. A partir daí, a obra de arte não é mais classificada pelo seu valor estético - a sua liberdade criativa -, será agora apenas uma mercadoria que terá como critério de avalização sua comercialização pura, ou seja, será avaliada de acordo com as normas de troca e consumo, procura e oferta. A obra de arte fica amputada e sujeita a uma economia morta.
O processo da imbecilização, ou se preferirem, de forma menos grotesca e mais frankfurtiana , a “degenerescência” cultural  que se foi instalando no que chamamos de Indústria Cultural, nada mais é que a consequência deste movimento próprio da sociedade de mercadorias e que tem por base todo o processo histórico que garantiu seu surgimento.




[1] Ver: http://www.analytica.inf.br/analytica/diagramados/179.pdf
acesso em 14 de outubro de 2013, 23h33m


Algumas pistas para meus colegas sobre o tema:

http://filosofiaocupada.blogspot.com.br/2011/06/download-e-book-colecao-os-pensadores_15.html


http://siaibib01.univali.br/pdf/Jefferson Antonione Rodrigues.pdf

(esse texto de Jefferson Antonione Rodrigues sugere com algumas dezenas ou centenas de pessoas que a ideologia por detrás da música wagneriana teria sido uma das causadoras do nazismo - algo parecido como "masturbação faz crescer pêlos nas mãos" ou "comer chocolate demais dá espinhas". Eu acho que é uma afirmação perigosa e penso que devemos manter a dúvida sempre. Frases como aquelas que Hitler pronunciou, tais como "Só entende o nazismo quem entende Wagner" são do mesmo tipo que afirmou, juntamente com a irmã de Nietzsche, que Nietzsche foi um precursor do pensamento nazista. Tais alegações, sabemos hoje com bastante solidez, não passam de uma grande e bem tramada jogatina do tipo foucaultiano em que os discursos são remodelados de acordo com a má-intenção de quem os interpreta. O texto  de Jefferson Antonione Rodrigues é muito interessante, uma pesquisa realmente intrigante e de uma fluidez de leitura deliciosa -quem souber a arte nietzscheana de mastigar os alimentos, leia-o!)

http://www.radioislam.org/historia/hitler/mkampf/pdf/por.pdf

http://pt.scribd.com/doc/17088147/Nietzsche-Caso-Wagner-Ecce-Homo

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Poema do Intestino Delgado de Saturno

Intestino Delgado de Saturno

“O arco é a vida; sua operação é morte.”
Heráclito

Eu quero
Mas não sei o que quero
Agora sei
E agora quero mais ainda
Já não quero mais

Agora é desejo
Eu desejo
Mas que desejo?
Desejo alguma coisa
Qualquer uma

E eis que eu consigo
Realizo minha plenificação
Meu desejo foi realizado
Diz, arrogante, o gênio

E que me resta
Senão este zumbido?

É uma mosca em meu entorno
É uma fantasmagoria de querer
De querer, alcançar e se entediar
E novamente querer ad ridiculum

Eu desejava morrer
Que grandiosa graça em tédio viver!
Mas agora o tédio se perfaz
Se desdobra sempre num infinito
Num desejo novo
Num nobre e belo querer
Do qual não poso abdicar!

Agora que percebo a gratuidade
De viver nesta desconstrução
Borbulhante e saturniana
Agora que vejo harmonia em viver
O arco da vida inicia seu ato:
A Morte!


Daniel Alabarce