Sabemos que todos morrem. Sofremos com a morte de nossos familiares, de amigos, de animais de estimação, e sofremos também quando vemos mais uma vez a grande máquina negra humana de aniquilar outros humanos, tal como o que ouvimos a respeito do governo de Assad quando trucidou mais de 11 mil presos (veja aqui)
Ficamos horrorizados com as inúmeras manifestações do corpo orgânico social e de todos os sinais funestos de exaustão e decadência, das falanges extremistas que começam a retomar seus lugares no palco de vários países, incluindo o Brasil – apesar de pouco ou nada ser, de fato, discutido ou desvelado para as grandes massas. E nem estamos contabilizando as outras miríades de "números" que morrem nos âmbitos de trabalho, ou dos que caem nos campos modernos de concentração dos totalitarismos ocultos em escolas, empresas e em inúmeras instâncias de nosso mundo; sem contabilizar os que, mesmo que mantidos vivos, são oprimidos e tratados como escória e lixo não reciclável, tais como os moribundos, os velhos, os doentes terminais, os que possuem alguma debilitação mental grave, os mendigos etc.
Os economistas, empresários, líderes e governantes sabem perfeitamente bem da dimensão trágica pela qual passamos, metaforicamente como se fosse um grande umbral, literalmente a degenerescência e putrefação das estruturas de nossa civilização. Eles, porém, insistem num diálogo pacificador, moralista e piegas que escamoteia uma grande teia de informações e estatísticas que poderiam gerar, ou usando termos mais psicanalíticos e junguianos, que poderiam fazer emergir o mal estar e as sombras de uma doença interna que já nos estava corroendo lenta e sutilmente (nossas instituições, movimentos sociais, ONGs, ativismos políticos desarticulados e jovens se debatendo continuamente sem sequer possuírem uma centelha de luz a respeito do que realmente ocorre no núcleo fundamental desta crise social-geral que enfrentamos, e que são indicativos de que não somente estes órgãos entraram em colapso, mas o sistema todo que os mantinha em pleno funcionamento). Também eles, estes gestores do sistema (ainda que tal termo me incomode pelas conotações defasadas que possui, mas que é o que melhor serve à nossa reflexão), estão igualmente presos a esta grande teia de confluências funestas e temem, tanto quanto nós, um colapso que poderia expor a barbárie e a dissolução desta frágil e efêmera ordem social.
Sim, não se trata de pontos críticos isolados, desconexos e/ou aleatórios. Trata-se de manifestações interrelacionadas que apontam para um problema muito mais grave e que açoita toda a humanidade atual: a morte e a ruína das próprias estruturas de nossa civilização moderna. Esta crítica é radical exatamente neste sentido, porque aponta uma crise que é desdobramento consequencial de ações e paradigmas, de conceitos e estruturas natimorfas. Já estamos numa época em que tais apontamentos se fazem necessários, não podemos mais aceitar aquelas discussões estéreis e cansativas que tratam apenas dos efeitos, mas não das causas. Perdoem-nos os otimistas, mas trata-se de um momento histórico e todos nós fomos jogados na arena, todos, não há distinção nenhuma. Esquerda, Direita, Apolítico... isso já não importa mais. Ou tomamos consciência de que se trata de uma Humanidade total que está dando sinais de falecimento, ou estamos fadados ao susto daquela metáfora do "ladrão na noite"...
Não nos importamos se alguns nos ridicularizem, taxando-nos como profetas apocalípticos, ou se nos rotularem como loucos e termos parecidos ou mais gruturais, porque sabemos exatamente em que se baseia nossa crítica. Na verdade, bradamos aos quatro cantos que qualquer pessoa pode tomar consciência desta nossa condição se analisar com rigor, critério e coragem a lógica interna dos nossos modos de produção social, a produção social da própria loucura, a produção social de tumores sociais, a produção social da barbárie.
É preciso enfrentar as superfícies e descer um pouco mais aos infernos desta sociedade, mas não é preciso descer tanto, pois o câncer já se expandiu o suficiente para, como erupções cutâneas, jorrar pus e sangue, sangue por todos os lados, em nossas cidades, centros urbanos, áreas rurais, ilhas, países inteiros e que começa a assombrar todos os nossos continentes.
Talvez tudo isso soe em alguma frequência dramática e exagerada, mas que podemos fazer diante da dor, a não ser recorrer à metáfora para, como um último esforço, alertar a todos disto que já não pode ser nomeado sequer como sono da ignorância(por mais que Hipnos seja irmão gêmeo de Thanatos), um esforço de escancarar que nossos paradigmas estruturais nos corromperam de tal forma que estamos todos prestes a morrer?
O Necrotério Filosófico se propõe analisar este grande corpo social atual, os sinais de sua falência e criar minimamente espaços de discussão, reflexão e possíveis intervenções.
Mesmo que diante de um cadáver a intervenção última seja a de enterrá-lo...
Daniel Vieira de Carvalho
CEFIL - Taubaté/SP
Retirado de: http://necroteriofilosofico.blogspot.com.br/2014/01/a-maquina-de-moer-homens.html
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