A unicidade revela o complemento do múltiplo
e o múltiplo engendra o ponto-lemniscata
Tendo encontrado a trilha sombria
cabe ao louco enfrentá-la
Sabe-se pouco sobre o futuro
Mas o presente não lhe escapa
e o passado, como bagagem,
lhe serve apenas por bússola
manifesta-se a escavação em busca do profundo
do chumbo do mundo
e trava-se o drama concreto
de acessar o abismo interno
enfia as mãos na terra úmida
e os pés se arraigam no obscuro
básico mais abaixo...
mas o enraizamento é intencional
rasga-se o lombo
para preparar-se ao próximo destino
kether... Que tão longe jaz!
mas o herói procura com melindre seu esteio...
deve fundir-se como o sodio na matéria liquida
permitir-se fluir como o rio
ser ele mesmo a correnteza e movimento
Janelas são sedutoras Mas são apenas janelas A porta é a Morte.
segunda-feira, 7 de setembro de 2015
quarta-feira, 2 de setembro de 2015
A sociedade da fantasmagoria
A sociedade da fantasmagoria
A sociedade atual sofre de um mal pleno, escravizados
por um mundo que nós mesmos construímos no processo de abstrair do concreto os
elementos que nos interessam e inventar categorias platônicas cujas formas mutilam a multiplicidade dos indivíduos e a
vasta gama de possibilidades da manifestação humana. Em verdade, temos medo
profundo do devir, do movimento que é
peculiar à natureza; temos medo de como a natureza se apresenta, crua e
friamente, indiferente à nossa espécie e aos nossos desejos.
O corpo é um dos pilares que promovem continuamente o
conflito entre a mente abstrata, idealista, utopista, pois ele é o vínculo com
a natureza, o corpo nos mostra que não há consciência sem corpo. Daí que o
corpo seja tratado de forma tão negativa e vedado com inúmeros tabus. A negação
do corpo, no entanto, é somente a parte aparente do problema, mais
profundamente não é apenas o corpo que queremos deixar de encarar, precisamos
desesperadamente negar o movimento de todo o universo (quiçá pensar na
possibilidade de que haja mesmo outros universos então...). Nosso orgulho é tão
grande e reflete a grandeza de toda nossa fraqueza diante da aparente opressão
que a vibração de todas as coisas revela. Nada está sob nosso controle, tudo
está em contínuo movimento.
É óbvio que esta negação ocorre em níveis
diversificados e em instâncias quase infinitas, cada indivíduo interfere no
mundo de forma peculiar, mas, em geral, o modelo coletivo continua o mesmo e
tem força exatamente por ter sido imposto e empurrado nas câmaras do
inconsciente coletivo como verdade irrevogável, por mais de 2.500 anos, a
partir do declínio do pensamento grego, mas mais pontualmente a partir de
Sócrates, Platão e Aristóteles – que, não obstante, guarda relações com o
contexto histórico da época destes grandes filósofos, com a decadência de
Atenas e também da influência da cultura romana, juntamente com toda a
deturpação da cultura e sabedoria helênica que se seguiu pelas mãos dos
primeiros padres da igreja, seguido da subordinação da filosofia ao cárcere da
teologia medieval (patrística e escolástica).
Esse modus
operandi cognitivo se cristalizou tão eficazmente na consciência e,
principalmente na cultura (responsável por perpetuar este modelo de
engessamento do Real) que o fenômeno é considerado como parte orgânica da
experiência de mundo, dos mecanismos cognitivos e das estruturas que sustentam
a produção social da vida. As pessoas ficaram imersas na plena abstração e
vivem apenas de pensamento (apesar de que este pensamento não significa necessariamente algum tipo de
inteligência...). O mundo real sequer é encarado enquanto tal, pelo contrário,
o mundo é analisado e experimentado a partir das categorias que nós construímos
para experimentá-lo, como se o mundo houvesse sido criado à nossa imagem e
semelhança, à imagem e semelhança da necessidade cognitiva de encontrar algo
estável no frenesi caótico do mundo.
A rotina toda é pautada em categorias abstratas de
pensamento, as ações morais não levam em consideração a existência dos corpos,
os nossos, os dos outros seres ou mesmo o das esferas que orbitam o Sol. Os
corpos humanos e os corpos de todos os outros objetos e seres se apresentam destituídos
de corporeidade, são fantasmas, resquícios de matéria. É como se vivêssemos o
mundo de Hades, perambulando como sombras desprovidas de vida – poderíamos também
analisar, neste ínterim, o modo como a mente domina, ou procura dominar, o
corpo de forma semelhante à brincadeira de marionetes.
Engana-se quem acredita que somos materialistas!
Engana-se profundamente! Nosso materialismo é, como se costuma dizer, “só pra
inglês ver”. Todo o aparato social de produção das mercadorias, do consumo, do
capital e tudo mais seguem uma teologia fantasmagórica extremamente racional.
Sim. Há uma lógica interna nesse mecanismo. A lógica do mundo ideal. Não o de
Platão, neste caso, mas o mundo idealizado pelo mercado.
Até mesmo o exibicionismo dos corpos malhados na
academia (quem dera as academias de hoje também se exercitassem nas questões
reais e humanas...) é um desdobramento lógico, um efeito colateral da dissociação
da mente que se isola do corpo. Quando se observa o corpo, tal perspectiva é
sempre realizada em terceira pessoa, na verdade o corpo foi proibido de ser vivenciado, quem lança o olhar sobre o corpo não é o corpo, mas a mente – e de forma metafísica a mente, posteriormente, se observa a si mesma. O corpo jamais deve ser experimentado em plenitude. E nisso a moral puritana, burlesca e provinciana continua a exercer sua drástica e pútrida influência, proibindo o prazer – ou, em casos mais urgentes, criando regras para que o prazer não escape ao controle da mente.
sempre realizada em terceira pessoa, na verdade o corpo foi proibido de ser vivenciado, quem lança o olhar sobre o corpo não é o corpo, mas a mente – e de forma metafísica a mente, posteriormente, se observa a si mesma. O corpo jamais deve ser experimentado em plenitude. E nisso a moral puritana, burlesca e provinciana continua a exercer sua drástica e pútrida influência, proibindo o prazer – ou, em casos mais urgentes, criando regras para que o prazer não escape ao controle da mente.
Mesmo as dores do corpo não servem sequer como sinais
de corporeidade, logo que surgem, percebam isso, devem ser imediatamente
controladas; no caso das dores com medicação e no caso dos prazeres com medidas
morais complexas que estimulam e promovem a culpa. Esta culpa serve como
dispositivo interno controlador do corpo que a mente sempre utiliza quando se
sente ameaçada. Logo, qualquer sintoma corporal deve ser devidamente tratado e
posto em ordem de acordo com os modelos imutáveis da racionalidade e da
fantasmagoria social.
A tecnologia, na relação que exerce entre os corpos, a
mente e o mundo, colabora para o surgimento de novos deslocamentos. Esses novos
deslocamentos são de caráter duplo (na verdade, seria triplo, levando em
consideração a primeira dissociação entre mente e corpo..., mas não queremos
tratar disto agora.). O primeiro é o deslocamento que a mente faz para fugir do
corpo, o segundo é o deslocamento de uma abstração para outra, uma viagem que a
mente faz para fugir de si mesma, já que o movimento que atordoa o mundo
atordoa também a mente. A mente foge para espaços mais abstratos, na
virtualidade – que não deixa de ser um mundo em contraparte do mundo real. A
primeira fuga é fuga do Real, a segunda fuga é fuga do mundo abstrato e do
pensamento. Em ambos espaços (ou não-espaços) o corpo, que permanece no mundo
que existe de fato, sofre profundamente desta esquizofrenia coletiva humana,
porque a mente é o corpo e vice-versa. Os deslocamentos, de fato, são autoengano,
ilusão e constituem mentira.
A mente, acreditando poder se afastar do corpo,
termina por crer ser forte o suficiente para negar as forças da natureza e,
exatamente nestes termos, acredita deixar de fazer parte da natureza, torna-se
uma anomalia. E é esta anomalia mental que procura dominar e subjugar a
natureza toda com a ilusão de poder. A nossa sociedade vive de abstração.
Fantasmagoria da fantasmagoria!
Daniel Vieira de Carvalho
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