É morbidamente engraçado como eu sinto uma espécie de conforto nas coisas mais sombrias de nossa existência, na tristeza, nas lágrimas, no ódio, na cólera e em tudo o que participa das regiões mais baixas...
Entretanto, quando esta tristeza é fruto de momentos em que se perde alguém com quem se criou um vínculo, com quem se construiu memórias, com quem tivemos tantos momentos felizes e ruins juntos, a dor é QUASE insuportável...
E apesar de ser tão dolorosa a angústia desta separação eterna, a da morte, eu continuo querendo experimentá-la profundamente.
Hoje eu aprendi uma vez mais como se faz importante sofrer e experimentar o luto, e que só se chora por mortos quando estes tiveram algum significado. Não há como se chorar a morte de seres com quem não se criou vínculos. Não dá pra chorar a morte ou o extermínio da humanidade, apenas de indivíduos específicos... apenas com quem se tem afeto.
Minha avó e meu tio morreram em uma época que para mim, na minha cabeça, não havia a morte mesmo, havia um vazio que eu não sabia explicar, uma dor no peito e só. Eu ainda era bem criança.
Um de meus amigos daquela época mais distante morreu depois de levar um ou dois tiros e esta morte já começou a me modificar o entendimento.
Em maio de 2009 meu amável avô morreu, sr. Benedito Gomes Vieira. Esta foi uma morte que me marcou demais, pois vimos seu sofrimento até o fim, ele morreu em casa, foi bem doloroso.
Aqui neste blog fiz uma homenagem ao Reinaldo, outro amigo, que morreu num acidente absurdamente grave. Também esta morte mudou muita coisa no meu pensamento sobre a morte.
Tenho visto mais pessoas morrendo de uns tempos pra cá e confesso que isso não é lá tão agradável, mas não deixa de ter seu lado saudável... (mesmo que de forma bem bizarra).
Este meu outro amigo, que morreu hoje, é o Arthur. Ele não se encaixa no conceito de pessoa, nem em humano, mas ele (como vários outros amigos desta espécie que também vi morrer) fazia valer muito mais que alguns humanos por aí.
Ele me esperava no portão todos os dias, quando chegava em casa ele pulava, rodava, e demonstrava um afeto tão sincero, que somente animais "irracionais" podem expressar. Eu o abraçava e repousava minha cabeça nele enquanto dormia, às vezes ele não acordava, em outras lambia meu rosto.
Ele era carinhoso, medroso e brincalhão. Um cachorro perfeito.
Ele vinha na porta de casa pra comer ração e beber água, pois era um cachorro de rua, muito arisco, deve ter apanhado muito na rua, pois qualquer pessoa que se aproximasse dele era o suficiente pra ele se encolher todo e fechar os olhos.
Ele foi se acostumando a vir em casa comer e beber água. Daí eu pedi pra minha mãe deixar ele ficar com a gente. Então foi um sacrifício pra fazer ele entender que eu queria que ele morasse aqui em casa, rs. Mas ele gostou da idéia e ficou aqui.
Ele chegou bem magro, sujão mesmo. Depois que veio ficar aqui o pelo dele ficou macio, ele ficou mais corajoso e engordou bastante, ficou bonitão. Era todo preto com um pouco de pêlo branco no pescoço.
Às vezes o Arthur pulava no sofá (minha mãe fica brava com ele) e deitava o focinho no meu braço. Eu brincava com ele e com a Christie (outra cachorra minha - que felizmente continua viva) de pega-pega. Quando era minha vez, corria atrás dos dois, se eu o pegasse, então ele corria atrás de mim, me mordia, me arranhava. Era muito legal.
Hoje eu cheguei em casa e meu pai me falou que ele havia morrido.
Puta que pariu, me deu um gelo na barriga.
E hoje eu já estava passando mal, pois minha pressão estava baixa.
Puta merda, eu corri pro lugar onde meu pai o tinha colocado e o olhinho dele ainda estava aberto. Eu senti um dor tão grande no peito, um vazio (aquele que eu já sinto todo dia, mas que fica cada vez maior)... Sentei e chorei enquanto acariciava o pêlo macio dele.
A Christie ainda não tinha percebido, por que meu pai o deixou escondido num canto do quintal. De repente, a Christie aparece do meu lado e começa a passar a patinha dela no Arthur, desesperada, cheirava ele, mexia nele, e chorava daquele jeito que cachorro chora, sabe?... Foi uma cena cruel pra mim, e percebi que a Christie estava bem mal também. Aí abracei a Christie e tirei ela de lá, pois ela ficava mexendo no corpo do Arthur de um lado e de outro, chorando.
Para qualquer outra pessoa isso pode parecer exagero. Chorar e sentir tristeza pela morte de um cachorro? É apenas um cachorro!...
Mas só quem tem um vínculo desses é que sabe como um animal é importante pra quem tem um e o ama.
A diferença é bem pequena, o animal não fala e não produz sua própria subsistência, só isso. E às vezes eu não sinto nem um pouco de tristeza na morte de certas pessoas!
Não, não sou insensível, apenas choro por quem eu gosto.
Notei isto na reação da minha cachorra quando viu o Arthur. Ela não tem a maldição que nós temos de saber que vai morrer, de ter que conviver com a expectativa da morte, mas ela tem um sentimento instintivo, que pode não ser racional, mas que é tão intenso quanto o nosso. E penso que estes são os sentimentos mais verdadeiros de todos, porque no fim todos nós somos um bando de animais.
Se ele estivesse me ouvindo eu diria: Te amo, cachorro! Valeu por ter sido meu fiel amigo!
Pouco importa isso agora, mesmo porque eu dizia isso enquanto ele era vivo.
Mas na minha memória ele vai estar até o dia da minha morte, quando eu também tornar-me um nada, um fim de todas as possibilidades.
Importa agora que eu esgote esta tristeza em mim experimentando-a sem medo, degustando dela até a última gota. E com todos os mortos farei isso, todos aqueles com quem, enquanto vivos, criei vínculos.
Sinto que este sofrimento, esta tristeza é saudável.
O nome dele era Arthur Winchester (por causa de Arthur Schopenhauer e da série de tv Supernatural - sou viciado em ambos). Nunca gostei de colocar nomes com repetições silábicas nos meus cachorros, por exemplo, Tatá, Totó, Lulu, Xaxa etc. Mesmo por que eu sempre criei meus vários cachorros como amigos, e eu nunca chamei nenhum amigo meu por apelidos deste tipo!
Ironicamente o Arthur morreu um pouco depois do término da 5° temporada do Supernatural, rs.
Espero que ele não tenha problemas com anjos ou demônios se eles, na possibilidade mais remota, existirem!
- Arthur, se existir um "outro lado" depois da morte e algum ser reluzente por lá sentado em um trono ou qualquer coisa parecida: morda ele com força e não solte!!! E se este ser reluzente não gostar disso e te mandar pro inferno não se preocupe, pois lá nos encontraremos uma vez mais...
Daniel, não é exagero nenhum chorar a morte de um cachorro. Sei o quanto dói perder um amigo desses. Sei exatamente como é! E diferentemente do que a maioria pensa, eles não são substituíveis!!!!! O Arthur tem seu lugar e sempre terá.
ResponderExcluirAbraço
poxa, valeu mesmo Rodrigo! Agradeço pelo comentário! é foda mesmo!
ResponderExcluirabraço
Dani, não consegui conter as lágrimas ao ler seu texto.
ResponderExcluirImediatamente me remeteu a morte do meu gato Guido, do qual até hoje sinto muitas saudades. Sofri um luto profundo, franco, doloroso. Durante muito tempo, acho que vc também deve ter sentido isso, eu ficava intrigada comigo porque não sentia o luto pela perda de determinadas pessoas e você escreveu exatamente o que eu repito - para horror da minha mãe - "é impossível chorar por quem não se tem vínculo". O luto depende mais de convivência, história e partilha do que de genética. Para alguns pode parecer duro, eu prefiro ser honesta e expôr, assim como você, o que muitos sentem mas, não tem coragem de falar.
Eu também amo demais esses companheiros diários que alegram meus dias e me fazem companhia. Adorei seu texto e vc me fez chorar um monte mexendo em sentimentos que eu pensava já adormecidos... Grande abraço!!!
Putz, cris! rs... É foda mesmo, partilhamos então da mesma dor! Seu gato morreu faz tempo?
ResponderExcluirEu to com muita saudade do Arthur, ele era um ótimo amigo!
Desculpe se te fiz chorar, rs! um abração pra vc!!!!! Saudadeees!
Sabe Daniel, lendo seu texto, gostaria de salientar...
ResponderExcluirPq não experimenta vir até minha casa e descobrir umas coisas?
Que tal hoje? lembra do Fabio? ele estará tbm...
ele foi o presidente do 1ºCA da faculdade, num grupo em q era o mais novo...
Eu estou tão triste mas tão triste;;;; com tanta saudade da sophia,,, minha cadelinha adorada..... que eu acho que só quem experimenta esse amor.... consegue explicar o que é dor da alma...
ResponderExcluirOlá, anônimo. Realmente, só quem tem vínculos desse tipo entende.
ResponderExcluirabraços
Não pude conter a água, pesou e caiu.
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