segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Todo artista é hipócrita!

 A música tem um pseudo-poder. 

Tudo é aparência, seja verdadeiro, falso ou dialético. 
E a aparência é. Ela simplesmente se apresenta diante de nós. O julgamento que fazemos sobre aquilo que nos aparece só acontece depois. O ser é aparência, a gente não conhece nada a não ser pela aparência. 

Teve um episódio, no programa Fantástico,  que várias pessoas foram entrevistadas e perguntaram: "O que importa mais pra você: aparência ou conteúdo?" Aí eu respondi bem alto na frente da televisão: "Não importa, tudo é aparência, quando aparecer o conteúdo de uma pessoa, isso não é aparência também?" 

Essa discussão ridículo sobre aparência/conteúdo ou essência/aparência é um porre! Tudo o que é, tudo o que existe é muito semelhante a uma cebola cheia de casca em cima de outra casca. A gente chama conteúdo aquilo que ainda não se tornou aparência, mas uma hora o conteúdo aparece e deixa de ser conteúdo, agora é aparência, apareceu assim, na nossa cara!

Não entremos em pormenores, coisas deste tipo não merecem nosso desgaste .. 

Hoje, como já faz parte da rotina, senti um desprezo tão grande pelas coisas -  tédio. Restou-me apenas a música. Sentei ao piano, toquei uma música que pudesse me agradar... Senti uma leveza tão gostosa. Uma paz tranquila! 

De fato, a arte, em geral, pode retirar o ser humano do tédio. Mas apenas por um instante, e nisso constitui seu pseudo-poder. Nietzsche, o filósofo bigodudo, disse que: "

Nisto reside sua ação saudável . Ela nos retira da realidade por um momento, é um rapto, um arrebatamento sutil, uma violação apreciável. É uma forma de alienação, porém sem estragos consideráveis, pois a arte (no meu caso a música) logo que nos rapta, imediatamente nos abandona na existência concreta - pareça ela doce ou amarga aos olhos do sujeito. 
 
É um conflito, um paradoxo e também uma solução, do mesmo modo que bebidas alcoólicas, já diria Homer Simpsom.  Por raptar tão violentamente, e abandonar de modo semelhantemente abrupto, vicia! E o vício da arte, da música, é bem pior que qualquer outra droga (sintética ou natural), exatamente porque seu efeito é curtíssimo. É necessário consumir com mais frequência, e em doses cada vez maiores. (talvez deste modo a gente consiga compreender o funk em volume máximo nos carros rebaixados, o sertanejo universitário que segue sempre os mesmos padrões musicais e outros estilos mais repetitivos... É! Isso explica várias coisas) 

Por exemplo, se eu parar de tomar meus remédios contra insônia, o efeito colateral é uma insônia hiper-crônica! Se eu começar a fumar dois cigarros por dia, daqui a uns dias meu organismo me pedirá quatro... 

O livro judeu de provérbios "acerta o pulo" quando diz que a sanguessuga tem duas filhas: uma se chama Dá, a outra se chama Dá. (Provérbios 30:15) 

É trágico, a música e a arte em geral constituem apenas um dos modos de lidar com o tédio, de superar a angústia de uma espécie que se auto-explora, que se auto-destrói e que não pode conhecer tudo. 

Mas é nesse elemento trágico mesmo o lugar onde podemos encontrar a beleza, o Belo. E encarar a música dessa forma só me faz amá-la com mais intensidade. NESTE ASPECTO, artistas são todos hipócritas (do grego: hupokrisis - que tem o sentido de atuar, de exercer um determinado papel, tem um significado artístico, entendam-me!)  Nietzsche dizia que precisamos criar ilusões, porque ele sabia que o sentido da vida não é dado em forma de uma missão divina pessoal, o sentido da vida é algo modelável, precisa ser construído, mais precisamente precisa ser criado de forma artística. Não precisa ser músico, ator, pintor, bailarino ou seja lá o que for. Basta ser criativo, se permitir ser quem você é sem se preocupar com a opinião alheia, se lançar na vida de uma forma positiva, afirmativa, aceitando a tragédia, o drama, mas sem se abandonar em ausência de significado e niilismo.


6 comentários:

  1. Bravo! Cara, parabéns. Mais texto irrepreensível!
    Esse maldito vício, não se aplica somente a executar algo no instrumento. Mas simplesmente ouví-la. Daí percebemos a "real importância" do funk pra quem vive na favela etc. É claro, que muitos garotos podem se interessar por outro estilo de música vivendo assim, mas isso não importa. O que vale é o efeito que ela causa, que independe de estilo. Pois tenho certeza que o mesmo tesão que tenho, é o mesmo de outro e de outro e de outro.........
    Como diria o grande Artur da Távola: "Música é vida interior, e quem tem vida interior jamais padecerá de solidão"

    ResponderExcluir
  2. PORRA! Que felicidade te receber aqui, Rodrigo! rsrsrs!

    Agradeço sinceramente seu comentário!

    Essa frase que você citou, do Artur da Távola é uma chave mesmo.

    Antigamente, a filosofia era uma atitude apenas racional, depois de Nietzsche e Schopenhauer (entre outros), o artista também é considerado.

    De fato, o artista é o que melhor poderá se aproximar de uma verdadeira filosofia, exatamente porque ele é criador, inventor de si mesmo.

    Abraços!

    ResponderExcluir
  3. OTIMOOO!!!

    hehehe. falou td...
    realmente a musica vicia, ouvindo ou tocando...é pior q droga!rs...

    e da barato, viu? XD

    (lembra qdo vc tava tocando clair de lune depois do ensaio dos movidos, e disse: "nossa!mew, eu tenho um orgasmo tocando essa musica" - a profa yara te xingou pq tinham crianças no recinto.. uahuahauha XD

    - bons tempos!


    Bjo Daaniii!

    ResponderExcluir
  4. hahaha! putz, passei ótimos momentos no pouco tempo que toquei com a camerata!

    e perto de amigos como vc e tantos mais que fazem a vida da gente ficar mais bela!

    agradeço pela sua amizade!

    ResponderExcluir
  5. [i][b] Daniel, bom ler seus devaneios poético-político-artísticos e, que portanto, filosóficos, permita-me também um devaneio esquizoanalítico (rs)... Lê-lo, inexoravelmente me faz pensar em Deleuze-Guattari...pois se somos a interconexão de fluxos e forças, cortes e linhas, sobre o Corpo sem Órgãos, para nos mantermos coerentes nessa proliferação das forças e impedir que abalem a ilusão identitária, tentamos brecar o processo, anestesiando a vibratilidade do corpo ao mundo e, portanto, seus afetos. Um mercado variado de drogas sustenta e produz esta demanda de ilusão, promovendo uma espécie de toxicomania generalizada... uma toxicomanias de identidade. Na busca (desesperada) de algum referencial identitário (mesmo que ilusório), nos arvoramos nos vícios... a cocaína e a música se separam não pela sensação de vibratilidade do corpo, pois ambas são vibráteis ao extremo, mas pelos (des)caminhos que inventam, promovendo novos afetos (ou não). Linhas de fuga.

    ResponderExcluir
  6. Grande Thiago! Tudo certo? Bom, desde já agradeço sua presença enriquecedora aqui. E confesso que cada vez mais sinto necessidade de ler Deleuze... rs

    Gostei muito do seu comentário, está a altura de um nobre pensador!

    Abraços, cara!

    ResponderExcluir

Obrigado pelo comentário!