terça-feira, 27 de novembro de 2012

Ode aos meus infernos

Escrito dia 11.11.2012

Gratidão e tristeza se misturam em mim todo o tempo, sem que exista ao menos um interstício de silêncio na mente. É assombroso o modo como lembranças de saudades já tão remotas conseguem aprisionar expectativas longínquas.

O meu presente é um fato, é um fado, é uma sina. Uma sina voluptuosa das moiras que traçam as linhas do meu irônico e gracioso destino, moiras que se unem a deuses e deusas da lua minguante, conduzindo-me no caronte do meu próprio inferno para desnudar minha lua negra de lilith com seu deus de chifres... e eles dançam sobre mim, rindo e entoando cantos maravilhosos da contradição interna da minha própria natureza cínica.

Baco espiralar da minha mais doce e íntima tragédia, teus sátiros e tuas ninfas nuas se encontram selvagemente no meu plexo solar, riem e choram aos gritos de um desespero embriagado da hybris alegre-triste que corrói por fora e germina dentro de mim uma semente sagrada de tua loucura mais densa e labiríntica!

Gratidão e tristeza são as duas forças que, entre tapas e beijos, ejaculam e cospem no meu pâncreas... O som mais enigmático da dança macabramente divina dos deuses do meu próprio olimpo, indo e vindo, do céu ao hades mais recôndito,

minha festa de sofrimento e disparates de euforia no acasalamento com a antiga serpente luciferiana,
meu inferno particular, saturnália, ditirambos orgiásticos que me jogam continuamente no meu eterno devir!

domingo, 25 de novembro de 2012

Música como degustação

Assisti, agora há pouco, o programa Clássicos, da TV Cultura, com Andras Schiff interpretando J. S. Bach.
http://tvcultura.cmais.com.br/classicos/andras-schiff-interpreta-j-s-bach

Um toque perfeito, com um som límpido, aveludado, frases claríssimas, enfim... uma interpretação emocionante.

E, para além da música de Bach, fiquei me questionando sobre aquela grande dificuldade em dizer que existe uma música boa e uma música ruim, assim como no âmbito moral existe o bem e o mal e a dificuldade em se caminhar em direção a um entendimento mais mutável e relativo (do caráter relacional dos preceitos da moral).

Ouvindo Bach, só o que eu consigo pensar é que sua música é capaz de provocar em mim uma sensação de prazer visceral, um arrebatamento que não ouso nomear para evitar que se perca alguma impressão sensível que capto na música e naquele instante em que meu corpo assimila os sons.

Ouvir música é mais que utilizar apenas a audição, é preciso degustar integralmente cada elemento musical como se estivesse experimentando um sorvete num dia de verão infernal, ou um vinho delicioso no frio áspero do inverno.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Reflexões sobre bife parmenediano no fogão a lenha heraclitiano

Historicamente, vivemos num estado de luta desesperada constante. Essa luta, em geral, é reduzida a dois elementos, aquelas duas grandes questões filosóficas que giram em torno do Repouso parmenediano (não, não confundam com bife a parmegiano) e do Movimento heraclitiano.
A liberdade e a igualdade, no âmbito político; o bem e o mal, no âmbito moral; o sofrimento e a satisfação, o homem e a natureza, o feminino e o masculino, o claro e o escuro, acima e abaixo... São os desdobramentos do Ser.

O Ser-É? ou o Ser-Não-É?

Não-sei!

Como um dos leitores do blog (Vitríolo de Marte comentou no meu texto, não se trata de um isto Ou aquilo, mas de um isto E um aquilo!

Não há antagonismo nessa dualidade de ser e não-ser, de repouso e movimento.
Platão, na sua definição do ser, acabou por conseguir unir estes dois processos, e apesar das cristalizações e engessamentos próprios de seu sistema, precisamos reconhecer que ele foi o primeiro a pensar o Ser abarcando estes dois momentos, sem que um negasse o outro, sem que houvesse a exclusão de um ou de outro, ou seja, o Ser é movimento E repouso.

Esta é uma das formas universais de encarar Aquilo-Que-Tudo-Perpassa, o Ser.

O problema é: como agir quando um confronto destas alturas (níveis) se aproxima tanto que precisamos, no âmago de nossa perspectiva imediatamente solitária, encarar esse enigma emblemático?
Quando o absurdo da conciliação dos vários opostos existentes surgem, aparecem diante de nós no meio da realidade concreta do nosso cotidiano, como se o verbo tivesse abruptamente decidido se encarnar embaixo do nosso nariz?
Como solucionar um problema de tal complexidade macrocósmica a nível de microcosmos?
Tudo o que é acima é também abaixo...
E nos níveis superiores... esse problema não encontrou uma solução...

Mas agora penso se a solução é mesmo um ponto final. Questiono se a solução é realmente a necessidade da definição, pois a solução de um problema surge sempre como a definição dele, isto é, de dar um fim ao problema. E é justamente nesse momento em que vários filósofos se equivocaram.

Diante da luta universal dos grandes temas, das grandes forças titânicas, só a ação possível é o assumir contínuamente as contra-adições, sem as quais não haveria movimento.

Temos de ser corajosos o suficiente para praticar o amor facti nietzscheano! O agon grego! Não se nega nem o repouso, nem o movimento! Assumimos ambos como dois elementos necessários que se interpenetram, que se degladiam, mas que se necessitam mutuamente.

Os grandes problemas da humanidade às vezes acabam surgindo na vida das partes, dos entes que existem... E é exatamente aqui que começam as crises existenciais, pois estamos lutando uma guerra que nos remete a um duelo muito mais antigo, o da humanidade com a realidade, da humanidade com a natureza.

É preciso aceitar a decadência da vida e o seu porvir na morte, e mesmo assim encarar a morte com orgulho e lutar contra ela! O herói sabe que vai morrer, mas nem por isso se afasta da luta contra a morte, pois sabe que é essa luta que o mantém vivo, vivo por causa da morte!

A morte e a vida também são reflexos dos dois grandes problemas do Ser, e dizem respeito a tudo e a todos.

Viver é um viver para a morte, todos os dias, sem exceção. E este é, exatamente, o escopo da nossa existência...

Mas devo confessar... Essa luta é também a luta do Si conSigo mesmo... e quando chega essa parte...
O calo aperta mais dolorosamente!

E dói!


segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Alquimia de um Idoso




O acúmulo incerto, mais ou menos ordenado, mais ou menos caótico, mais ou menos intenso ou mais ou menos doloroso de memórias fica estampado no definhamento do rosto, no pestanejar dos olhos, na descoloração ou na queda dos cabelos de um idoso.

O presente é a contínua manifestação de mortes: morre o padeiro que era tio do pai do meu irmão, a conhecida antiga da família, o coveiro que enterrou fulano de tal e o tal que enterrou uma faca naquele rapaz que era filho da senhora que morava na rua de cima.

Não há ouvidos para ouvir, e o coração que vai envelhecendo caminha a trilha de um silêncio abafado, mais ou menos reprimido ou mais ou menos orgulhoso... Um silêncio incômodo parecido com uma mosca, mais ou menos sorrateiro ou abrupto como a morte.

Ao encontrar alguém mais velho que eu, com mais de setenta, oitenta anos, vejo sempre um lapso de faísca profunda que flui como uma pequena nascente, mais ou menos igual à calmaria que borbulha nas montanhas solitárias e distantes, mais ou menos indecifrável como uma estrela cadente ou como o sol poente no horizonte...

Nada, entretanto, é tão certo quanto a sábia corrente de sabedoria de vários anos, e luas, e estações, e virações do dia que sempre nos revelam o eterno vir a ser de todas as coisas, mais ou menos violento, mais ou menos pacífico sem jamais assimilar um ponto final; sem aceitar sequer alguma origem...

É um movimento eterno do mais ou menos isso, mais ou menos aquilo.