domingo, 13 de julho de 2014

Do medo da loucura, da culpa e da incomensurabilidade do universo

Nos últimos dois ou três semestres tenho me dedicado intensamente à uma busca peculiar. Após alguns anos pesquisando sobre a Morte, tanto na filosofia quanto em outras áreas do saber humano, agora vejo se desdobrando à minha frente novas aberturas de entendimento onde é impensável excluir qualquer ponderação, por mais absurda que ela possa parecer (seja no início ou no fim da consideração).

Sempre estive embrenhado nas vertentes religiosas de cunho cristão e minha história está repleta de experiências boas e ruins neste sentido. Nunca me proibi a nada e a nenhum conhecimento que me chegou às mãos deixei escapar mesmo que fosse numa tentativa estapafúrdia de abarcar algo que poderia estar para além das minhas forças.

Hoje, penso, transvalorei o sentido de religião e acredito que o mundo pode viver sem dogmas religiosos e até mesmo sem uma concepção da existência de um Deus à nossa imagem e semelhança...
Isso não significa que deixei de seguir minha alegre curiosidade intrínseca de abrir o mundo todo, por isso mesmo me deixo como legado o presente de deixar meu barco navegar onde os ventos quiserem me levar. Tenho uma propensão muito bem vinda de adentrar os templos, as academias, as casas ou cavernas alheias com a intenção própria de um viajante. Muita gente acha isso de uma repugnância e hostilidade heréticas, pois, como dizem: "como você pode não ter nada definido, nenhum limite, nenhum norte?"

No entanto, o que alguns consideram não possuir uma direção, eu defendo ser minha liberdade, e muito ao contrário do que dizem minha liberdade nunca foi ingênua, sem direção ou descabida de alguma intencionalidade... O problema reside apenas na tão famosa questão de perspectiva. Eu tenho minhas crenças, pois sou um ser humano, mas não fico preso a elas com tanta ganância. Se eu encontrar vivências que me movam para outras crenças, ou descrenças... Não me cercearei tal divertimento. E, claro, desejo estabilidade e um lugar de descanso, mas somente porque eu assim desejo não significa que o universo deixará de dançar ao meu bel prazer. Resta a mim, portanto, entrar na dança...







Olhando a história de alguns pensadores, homens e mulheres que se atreveram a ir além dos limites convencionados por uma cultura, grupo social ou paradigma, sempre me pegava amedrontado por ver que muitos deles, no final da vida, terminaram em manicômios, hospitais psiquiátricos ou em estados de loucura. Sem olhar mais profundamente se a causa da loucura deles foi algum fator bio-químico, neurológico ou pós-traumático, é facilmente constatado que eles foram colocados em um lugar escuso da sociedade por fugirem dos padrões mentais da normalidade. Houveram pensadores que não tiveram essa sina, mas de alguma outra forma foram tratados de modo diferenciado, ora por algum sistema religioso, ora por algum aparato de mecanismos de controle social do Estado, ora pelo próprio grupo social mais próximo em que estavam inseridos.


Não é de se espantar que entre os gregos (este povo que, de longe, em minha opinião, é de uma inteligência absurda) os discursos sobre a loucura eram bem diversos que os que temos hoje, principalmente depois do período em que o cristianismo romano se difundiu pelo mundo medieval. Naquela época a loucura poderia ser considerada, em algumas escolas de pensamento, uma manifestação da divindade.

Quando temos um insight, um momento de abertura intelectual, inspiração ou epifania, na verdade o que acontece é somente um desdobramento, um ponto de abertura que só foi possível por conta de um contexto em teia de relações que, se formos buscar sua origem primeira, se perde inclusive na história da própria humanidade. Este insight não é, nem a pau, um momento isolado, como acreditam os religiosos. Ele é fruto de uma construção que ultrapassa gerações inteiras e abarca também a nossa individualidade nesta existência, no momento do agora. E todos nós temos esses momentos de iluminação. Mas geralmente se convenciona que não se deve ter isso por muito tempo, ou que não se pode ficar pensando muito, pois pensar muito pode levar à loucura, que é diferente de ter um insight. Neste caso (o nosso caso), a loucura serve a propósitos ideológicos específicos e pode ser fruto de uma ação/intervenção social/coletiva de impedir que as pessoas pensem e tenham consciência de sua própria dimensão, de sua própria história, da história das relações e adquiram, deste modo, um certo controle de sua vida e, quem sabe, usufruam da possibilidade de transmutar seu próprio contexto, interagir e transvergir... transvalorar.

Não é à toa que eu, por algum tempo, tenha me preocupado pela minha sanidade... E tenho certeza que muitos dos que irão ler este texto e, em algum aspecto, reconheçam algo semelhante a isto já passaram por crivos deste tipo: "Será que estou ficando zureta?"

Hoje entendo que, como Einstein bem disse, a imaginação é muito mais importante que o conhecimento. Foi a imaginação o motor primeiro do conhecimento humano, não o inverso. É o caos e não a ordem que gera a linearidade. E isso não significa que caos é o mesmo que desordem. Atentem bem a este ponto!

Sou grato à Shiva, uma das entidades (arquétipos, formas-pensamento, crença ou como vocês preferirem chamar) a quem tenho focado minhas meditações nos últimos meses e que me tem sido uma referência muito interessante como convite para pensar os aspectos da destruição e da construção - e digo isso tanto em níveis densos, quanto sutis - , e a todos os amigos e amigas com quem pude conversar e aprofundar ou sutilizar elementos. No final, tudo isso é, de fato, um divertimento, uma forma de não se privar do ato criativo necessário à boa saúde mental, física e psíquica.

A ciência humana é imensa e tenho certeza de que ela pode aumentar ainda mais - não obstante, estou plenamente convicto de que, como espécie, estamos mais próximos de expurgar nossa história neste planeta do que construir algo novo e melhor...

Torno público, então, um medo e uma esperança que tenho, um texto que nasce como filho sagrado de minhas dores e sofrimento, mas que reflete meu prazer e vontade de potência...

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Meu coração pulsa todo o tempo desde que fui concebido até o dia de minha morte e dedico-lhe pouco tempo para ouvi-lo. Geralmente o barulho do mundo é tão forte que abafa o som contínuo, ora em tempo, ora em contratempo. Mas ele está aqui e percute a música que me movimenta.
Quando medito e presto atenção especial à minha respiração e harmonizo o ritmo dos meus pulmões ao balançar do fluxo de sangue bombeado por todas as ramificações do meu corpo sou levado entender que, de fato, o que é para cima também é para baixo. O movimento dançante que me embala é o mesmo que, num giro freneticamente maior e de nível cósmico, destrói e constrói todo o universo.

E, tornando à consciência objetiva, esta que meus sentidos superficiais me oferecem, percebo um movimento semelhante e sou seduzido pelas luzes, primeiramente das estrelas no céu, fantasmagorias de seres celestes que podem já nem existir realmente, mas cuja manifestação demorou a chegar nas órbitas dos meus olhos... e segundamente, pelas luzes dos olhos dos meus próximos. Cada um é um universo inteiro e infinito para dentro e para fora.

Fico emocionado e confuso com tamanha grandiosidade e com a espantosa pequenez de tudo o que experimento. É paradoxal, mas nem por isso deixa de ter sentido, pois tudo isso já existia antes de mim... Eu, neste curto espaço de tempo tenho o privilégio existencial de nomear o mundo, referenciar meu olhar, mesmo que só por este ínfimo instante, um mínimo miraculoso momento de grandiosidade e riqueza que nada nem ninguém pode me retirar. O agora do meu acontecimento é único, tal como são únicos os pontos e traçados de um arabesco. E como é bonito saber, saber o gosto de uma fruta ou a cor de Vênus quando está diante do meu horizonte; saber a dor que tenho na coluna e as sinapses aceleradíssimas do meu cérebro; saber o prazer ou o sofrimento, saborear, ser sendo.

Toda a turbulência de pensamentos que enchem minha cabeça como maré puxada pelas correntes magnéticas lunares às vezes é tão assustadora que sinto medo de entrar em colapso, cair dentro de mim mesmo e me perder neste meu próprio abismo, como se vivenciasse um olhar misterioso e ultra permissivo que fosse capaz de me deixar absorto em minha liberdade mais poderosa de romper os limites da minha racionalidade. Por muitos anos me subjuguei à culpa, esta culpa que é a ilusão mais tosca e ridícula que o homem poderia se impor, a culpa da loucura, do pecado e da doença.

Agora, mesmo que receoso no canto de minhas têmporas, já não me apavoro com todas as tempestades criativas que minha imaginação me oferece, porque sei que a luz só se produz por um movimento lancinante e uma permissividade de vida total e  ascendente, corajosa e ousada, forte o suficiente para aceitar e caminhar em direção de seu maior desgaste, de sua explosão mais intensa manifestando as cores mais belas, as nuances mais musicais e deixando fruir o mundo todo de seu espetáculo mais nobre. Somos mortais, pequenos e limitados e nosso conhecimento acerca do mundo, e nossa história como espécie na superfície deste planeta não nos garante nenhum direito para dar algum argumento suficientemente eficaz para estancar ou coagular os vetores da vida em sua manifestação cósmica. A Natureza nos é indiferente acerca deste assunto... E deveríamos ser um reflexo deste desapego... Deveríamos parar de nos importar tanto em justificar o Movimento ou compreender algo que nos é incompreensível. É muito mais honesto dizer o que não sabemos e nos alegrar com o que temos. Perambular toda essa magna gama de possibilidades que foi jogada na nossa cara como zumbis insensíveis ou como murmuradores resmungões é o mesmo que sentar diante de uma televisão e escorrer o cérebro comendo comida podre, ou perpetuar a burrice e a ignorância dos escravos, ou ainda manter o status quo do sacrilégio que nossa sociedade comete ao fechar os olhos para a gratuidade de ser e existir no aqui.

Preparar-se para a morte é o mesmo que preparar-se para resplandecer como uma estrela - se há algo para além ou aquém deste momento em que existo e experimento o mundo, tanto faz... Nem mesmo a existência de uma Entidade Universal Inteligente (Deus) me incomoda... O que vejo neste meu universo é lindo o suficiente para tornar a existência de tal Entidade uma conjectura incognoscível, uma hipótese incomensurável e um ponto de desgaste que se coloca como qualquer poeira interestelar onde eu só poderia chegar por meios que me fogem a própria usurpação do meu tenro irracionalismo fervilhante, apenas na completa destruição das minhas identidades, tão somente naquilo que os modernos tanto insistem em rotular como repugnante, anormal, fora do padrão: perder a razão.
E já nem me importo com o caráter poético do que escrevo, ou da cientificidade das possibilidades do que penso, pois pouco me importa diante desta imensidão cósmica uma linha teórica apenas, os dogmas, os mitos, os panteões e as religiões. Diante da velocidade da luz tudo se desintegra, tudo se desfaz e como filósofo tudo o que me espanta é tudo quanto me faz dançar. Tudo é movimento! Tudo isso me apraz... E a cada um cabe o seu destino e a sua escolha de se permitir dançar neste caos potencial, nesta poderosíssima expressão interna que somos e nesta magnífica obra de arte que nos tornamos!





quarta-feira, 9 de julho de 2014

Acontecimento no Campo de Centeio



Ela seduz e afasta
Assusta, espanta e maravilha
Me persegue desde a tenra infância
Desperta uma dor que fervilha
É semelhante à sombra
Que anda em sincronia
Projetada nos muros
Introjetada nos olhos
Absorvida na alma
Tragada nos dentes
Servida nas taças
Diluída nos sulcos
Dissolvida na terra
Absolvida na mente
Pendente...
Cainte...
Moída...

Sorte, fardo  ou bem aventurança?
Da minha vida é ela o ponto
A vírgula
A letra
O verbo
O tempo
O ritmo
O pulso
A música...
Os jogos das crianças
As obras do artista

É Morte!
E é dura como aço
Fluida como o rio
Semelhante a mulheres...
um paradoxo!

É Morte!
A eterna questão que é meu norte


(em homenagem à Teresa , Alcimar e Eliane)