terça-feira, 6 de novembro de 2018

Inquieto


Inquieto.

Mede bem a quantia de força necessária para pisar o chão sem o menor atrito possível, leva a mão à boca, espreita os cantos escuros, que a luz produz ruído. Anda sorrateiro, calmo e sem sombra alguma de dúvida sobre a meta de uma caminhada noturna, nenhuma delas há de ser vã. Tudo, na noite, deve se manter em silêncio profundo como expressão da Polaridade da Força que é silente, taciturna...
Sonha, divaga, flutua no tempo e enxerga esvaindo pelos ponteiros a racionalidade da métrica diurna da labuta, morcegos sugam o sumo da umbra, se alimentam de coisas que não criam dissonância, fantasmagoria pura, ilusão, entropia, desejo calado e sempre inquieto de Vida com a menor quantidade de luz. Afinal, já não basta a luz dos sóis que se amontoam nas ruas pendurados nos postes de concreto? Que sentido há de existir em uma fileira de ferros e fios expostos, pervertendo a beleza contemplável das paisagens que o mundo apresenta? Que teleologia macabra e surda esta que provoca tamanha blasfêmia às almas mais sensíveis e que corrompe igualmente a todos os seres? Que nos salve a Música dos ruídos desta máquina, já muitas décadas se aniquilaram e só o que intuímos adiante são compostos inorgânicos de sons, conglomerados melódicos com prazo de validade e substâncias sintetizadas nos encadeamentos harmônicos, química de péssima virtude para o ouvido geral, patologia desarmônica e dessincronizada crônica no interior oco do sujeito que agora sorve o próprio cérebro com canções decaídas, sem virilidade, sem tesão...
Ah como nos seria fundamental, cada um de nós, seres humanos aos bilhões num planeta tão pequeno e desencantado, o claustro, o isolamento, o silêncio! Sequer a música agora, uma vez mais, deveria dizer qualquer coisa! Não deve dizer nada, em absoluto! Aliás, não deve nada a ninguém! Cabe ao artista fechar a boca, os olhos e os ouvidos, tampar as narinas e suspender todas as faculdades de assimilação dos dados externos desta realidade. É urgente escutar o som do ar adentrando as inúmeras ramificações do pulmão e do Si Mesmo, questão de sobrevivência não é comida nem bebida, muito menos casamento, trata-se de uma tragédia in absurdum que ecoa de modo similar a uma tortura lenta e com traços bem delineados de psicopatia e loucura doentia.
O problema não está na guerra, nem no dinheiro, ou no trabalho! O problema é este barulho anti-musical, anti-vida, anti-humano, anti-natureza, um barulho que por muito pouco não se encarnou como um Messias invertido, ao menos não até este momento. Eis que o Messias invertido, com seu coral monstruoso de feiura e decrepitude se aproxima de nós! E sua estrela amarelo ocre brilha no horizonte e chama para si os três sacerdotes do zoroastrimos moderno, igualmente decadente, e fúteis, populares e bem pagos, esbanjam ouro falso, incenso vagabundo e mirra com adição de agrotóxicos!
Ah como seria bom se parássemos de gerar filhos e mais filhos! E como seria igualmente bom se todos se comunicassem por meio de mímica e dinâmicas interativas holísiticas de silêncio, ou, no mínimo, com um pano de fundo musical instrumental. É o bastante, talvez mesmo já exacerbado, mas tolerável!
Alguém na Alemanha disse, não sem razão, que nós esquecemos o Ser e nos confundimos com a fragmentação das coisas, talvez este sábio tenha descoberto um elixir filosófico para retomar a direção dos caminhos humanos, talvez ele houvesse descoberto o poder do silêncio! Mas hoje em dia não se ensina a ouvir silêncios, pausas ou fermatas. Tudo deve ser bem explícito, descarado, escancarado, projetado de forma abrupta e ruidosa, comunicado com força e ódio, aos gritos e berros. Neandertais, acabei de pensar sobre isso de forma quieta, devem ter usufruído de uma época tão mais rica que a nossa... Quem dera ficássemos apenas espantados com o som dos trovôes, do vento antes da chuva, dos pássaros que ajudam a puxar os fios que sustentam o sol, querido irmão antigo, e depois a brisa suave que, com ajuda de tons azulados e dourados invocando os poderes imaginativos e curativos da Arte e da pluralidade de encantos da donzela de prata entre os festejos do zodíaco...
Agora senta, se incomoda, muda de postura, anda de um a outro lado, acende um cigarro, toma um café, abaixa, se encurva, foca em telas de luzes diabólicas, trabalha, buzina, xinga uma verborragia, acelera, freia, contorna, derrapa, bate o carro num daqueles postes! Enfim uma espécie tortuosa de vitória!

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