Inquieto.
Mede
bem a quantia de força necessária para pisar o chão sem o menor atrito
possível, leva a mão à boca, espreita os cantos escuros, que a luz produz
ruído. Anda sorrateiro, calmo e sem sombra alguma de dúvida sobre a meta de uma
caminhada noturna, nenhuma delas há de ser vã. Tudo, na noite, deve se manter
em silêncio profundo como expressão da Polaridade da Força que é silente,
taciturna...
Sonha,
divaga, flutua no tempo e enxerga esvaindo pelos ponteiros a racionalidade da
métrica diurna da labuta, morcegos sugam o sumo da umbra, se alimentam de
coisas que não criam dissonância, fantasmagoria pura, ilusão, entropia, desejo
calado e sempre inquieto de Vida com a menor quantidade de luz. Afinal, já não
basta a luz dos sóis que se amontoam nas ruas pendurados nos postes de
concreto? Que sentido há de existir em uma fileira de ferros e fios expostos,
pervertendo a beleza contemplável das paisagens que o mundo apresenta? Que
teleologia macabra e surda esta que provoca tamanha blasfêmia às almas mais sensíveis
e que corrompe igualmente a todos os seres? Que nos salve a Música dos ruídos
desta máquina, já muitas décadas se aniquilaram e só o que intuímos adiante são
compostos inorgânicos de sons, conglomerados melódicos com prazo de validade e
substâncias sintetizadas nos encadeamentos harmônicos, química de péssima
virtude para o ouvido geral, patologia desarmônica e dessincronizada crônica no
interior oco do sujeito que agora sorve o próprio cérebro com canções decaídas,
sem virilidade, sem tesão...
Ah
como nos seria fundamental, cada um de nós, seres humanos aos bilhões num
planeta tão pequeno e desencantado, o claustro, o isolamento, o silêncio!
Sequer a música agora, uma vez mais, deveria dizer qualquer coisa! Não deve
dizer nada, em absoluto! Aliás, não deve nada a ninguém! Cabe ao artista fechar
a boca, os olhos e os ouvidos, tampar as narinas e suspender todas as
faculdades de assimilação dos dados externos desta realidade. É urgente escutar
o som do ar adentrando as inúmeras ramificações do pulmão e do Si Mesmo,
questão de sobrevivência não é comida nem bebida, muito menos casamento,
trata-se de uma tragédia in absurdum que ecoa de modo similar a uma tortura lenta
e com traços bem delineados de psicopatia e loucura doentia.
O
problema não está na guerra, nem no dinheiro, ou no trabalho! O problema é este
barulho anti-musical, anti-vida, anti-humano, anti-natureza, um barulho que por
muito pouco não se encarnou como um Messias invertido, ao menos não até este
momento. Eis que o Messias invertido, com seu coral monstruoso de feiura e
decrepitude se aproxima de nós! E sua estrela amarelo ocre brilha no horizonte
e chama para si os três sacerdotes do zoroastrimos moderno, igualmente
decadente, e fúteis, populares e bem pagos, esbanjam ouro falso, incenso
vagabundo e mirra com adição de agrotóxicos!
Ah
como seria bom se parássemos de gerar filhos e mais filhos! E como seria
igualmente bom se todos se comunicassem por meio de mímica e dinâmicas
interativas holísiticas de silêncio, ou, no mínimo, com um pano de fundo
musical instrumental. É o bastante, talvez mesmo já exacerbado, mas tolerável!
Alguém
na Alemanha disse, não sem razão, que nós esquecemos o Ser e nos confundimos
com a fragmentação das coisas, talvez este sábio tenha descoberto um elixir
filosófico para retomar a direção dos caminhos humanos, talvez ele houvesse
descoberto o poder do silêncio! Mas hoje em dia não se ensina a ouvir
silêncios, pausas ou fermatas. Tudo deve ser bem explícito, descarado, escancarado,
projetado de forma abrupta e ruidosa, comunicado com força e ódio, aos gritos e
berros. Neandertais, acabei de pensar sobre isso de forma quieta, devem ter
usufruído de uma época tão mais rica que a nossa... Quem dera ficássemos apenas
espantados com o som dos trovôes, do vento antes da chuva, dos pássaros que
ajudam a puxar os fios que sustentam o sol, querido irmão antigo, e depois a
brisa suave que, com ajuda de tons azulados e dourados invocando os poderes
imaginativos e curativos da Arte e da pluralidade de encantos da donzela de
prata entre os festejos do zodíaco...
Agora
senta, se incomoda, muda de postura, anda de um a outro lado, acende um
cigarro, toma um café, abaixa, se encurva, foca em telas de luzes diabólicas,
trabalha, buzina, xinga uma verborragia, acelera, freia, contorna, derrapa,
bate o carro num daqueles postes! Enfim uma espécie tortuosa de vitória!
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