terça-feira, 30 de julho de 2013

Pressupostos de Uma Tragédia II - ou: Da Sabedoria das Máscaras

Da Sabedoria das Máscaras

Reconhecer minhas trevas interiores, tornar a olhar para o buraco mais profundo de mim mesmo e encontrar a minha própria tumba, meu sarcófago putrefato e pavoroso; desvelar a desordem e a loucura que jaziam (e principalmente o caos que subjazia)... Sentir forte nos lábios e em todos os órgãos palatares (tudo quanto há de sensciente em minha integralidade total) o gosto, os cheiros, os vórtices de nuances de claridade e escuridão, as cores (em sua grande parte monocromática)... Conferir cada parte de meu vômito, procurando compreender a alquimia de minha digestão mais secreta, analisando e separando, unindo, sintetizando e retomando os elementos que ainda poderiam contribuir para algum novo antídoto, considerando que alguns venenos, se invertidos, podem gerar cura... Passo a passo, sentindo os medos mais violentos, mas sem conseguir deixar de caminhar para frente, degrau por degrau, tateando tal como um cego, farejando como cachorro, serpenteando como um dragão e sibilando como uma ouroboros... Apoiando-me e sendo apoiado, dando respaldo ou sendo canalizado como guia de outrem... Lançando para frente os meus sons, tal como os morcegos, esperando a reverberação do som que pudesse devolver-me alguma confiança de qualquer coisa concreta mais adiante (e esperando, ainda assim, a possibilidade irrecusável de obter como resposta o oco abismal do além-homem...); ruminando, como a vaca, cada letra da sapiência de tudo quanto me foi apresentado e deixando que a fluidez do sophos realizasse a condução mefistotélica da luz rarefeita do sage que em minha gruta habita... Agindo como um louco para provar os julgamentos mais cruéis ou deixando de receber qualquer ajuda para sofrer inteiramente sozinho os próprios muros (das quais grande parte eu mesmo ergui); curioso ao ponto de ficar em péssimos lençóis, sem ter como fugir, nem como alçar a voz nas alturas e pedir socorro, ou caindo das alturas por falta de oxigênio, ou esquivando-me das esferas de luz por ter degustado as esferas da dor nesta jornada tão misteriosa que é viver ex, de existir...  Sem saber ao certo se a linguagem poderia colaborar de alguma forma para expressar um entendimento que não foi adquirido apenas por meio de linguagem, ou de racionalidade, ou de recursos lógicos e formais... Foi mais ou menos assim que lancei a primeiríssima pedra de minha própria morada.
Olho para o mundo tal como um viandante que se admira e se assusta quando está posto diante de sua jornada, tal como aquele que olha para o caminho, mas não é capaz de enxergar detalhes, nem prever as felicidades e as tristezas que o aguardam. Olho para o mundo sabendo que o mundo mesmo não há, e que as linhas colocadas em frente servem apenas como setas e sombras, como metáforas que apontam para lugares que não são lugares, para objetos que não são objetos, para entes que não são entes e para conceitos que não são conceitos, mas que também não é o Nada!
Olho fixamente para a morte, porque a morte é quem me aguarda em seu seio, mas fitá-la por muito tempo gela a alma... E aí eu crio meus meios, as intermediações, as telas artísticas, a arte mais vergonhosa e mais necessária de quem vive, a hipocrisia de persona, a máscara dos ditirambos...

O herói nunca se deixa desanimar diante de seu destino agourento, e que é o destino de um herói senão a morte? Mas o herói é o maior dos hipócritas, e em sua maior hipocrisia é ele o mais verdadeiro entre todos, pois re-conhece seu próprio medo, experimenta sua sina todo o tempo, e ainda assim não recrudesce, não definha e não se fecha... O segredo do herói não está em desviar os olhos da morte... Ele jamais seria herói se assim agisse... O segredo do herói é a tragédia... O segredo está em saber o modo correto de utilizar as máscaras...

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Discurso Cínico da Sombra Intestinal

Discurso Cínico da Sombra Intestinal
16.04.2013

Sou ao simples
como louco
Sou ao louco
como idêntico
Sou ao médico
como doente
Ao cidadão
como uma vergonha
como homens e mulheres,
pois a ninguém rotulo
Degusto o mundo inteiro
digerindo-o em doses.

Minha sombra
é meu reflexo
minha sombra
é quem eu sempre quis ser
pois sendo minha sombra
ninguém jamais diria
que sou outro além de mim
Mas toda a algazarra do mundo
é de quem projeta a sombra
o sol do desbunde
e as luzes frenéticas

-Não sou destrutível como tu,
pedaço de carne falante,
Sou sombra sutil multiforme
que serve apenas ao meu próprio divertimento
Teu ódio pela sombra
é o teu desejo secreto
de deflorar-me sexualmente
numa auto-antropofagia deliciosa

Lambe teu próprio cú, oh homem!
Experimenta tua merda,
pois o que seria a Ouroboros
se não fosse seu desprezo pelo higienicamente correto?
A pedra filosofal é o que você transmuta,
seu próprio esterco!

Enfia tua língua
no interstício final
do intestino:
delgado,
doce e sagrado
experimenta a alquimia de tua bosta
descubra a composição de tua merda.

Deixa atrás o pudor
E se o pudor se excitar
Chupe-o até o fim
Deixe as bundas moles à tua frente
e enterre teu falo
cria tua própria fertilidade!



quinta-feira, 11 de julho de 2013

Catedral da Nota em Bolha


11.07.2013


No limiar da nota em bolha,
O bordão suave ecoa
Como um cristal que soa
Um nirvana musical

Uma onda que estoura
No ápice de uma frase
Delineando melodicamente
O caminho místico harmônico
Que conduz como a um vento
Um sutil lamber do orvalho
Que escorre gentilmente nos meus dedos
E afunda a tecla no piano, intenso

O topo exprimível em palavras
De forma doentia
Acaba recrudescendo a sensação
Não há como verbalizar a música
Daí que eu não goste de músicas e poesia unidas
Apenas os sons, e somente a relação entre eles
São suficientemente capazes de apontar o eterno
De apresentar da maneira mais sublime
A harmonia de várias vozes, e de várias pessoas
Que dançam a vida do Tudo é Movimento
Apenas os sons são eficazes na Arte Heraclitiana
A arte de experimentar a vida por meio do som
Que reverbera na teia da existência,
Cujos fios as moiras, afoitas, desejam atacar!

Eu atingi o nirvana, mas fui trazido com uma mó de atafona nos pés
E fiquei preso mais uma vez no cotidiano banal do mundo
Desejoso por contar a todos e fazer todos os esforços
Para apresentar a possibilidade infinita de que todos voem
Voem para alturas de ares não viciados
Mas eles estão todos viciados, tenho poucos amigos...
Tenho poucos que me compreendem nessa angústia
Angústia altruísta, de desejar que todos sejam livres
E ver que o real desejo destes pobres pequenos
É comer o pão, beber a água e tudo fazer com agilidade
Esbarrando aqui e ali nas colunas do mundo
Como cegos e surdos... mudos eles não são,
Pois reclamam da “vida” todo tempo
A culpa é o argumento preferencialmente nobre a todos estes
Culpada é a vida de não ter me oferecidos condições para voar

Eu vou voar,
Vou voar a trajetória toda de um som
Vibrar como um raio das minhas próprias cordas musicais
E fazer ressoar a música da minha existência inteira
Como um agradecimento ao complexo emaranhado de variáveis
Variáveis infinitas que colaboraram para ser quem sou
O artista de mim mesmo
Crio, pois, meu mundo, crio o mundo inteiro que sou eu
Crio minha paz e minha beleza mais pura,
Minha liberdade de digerir o mundo sem malícia
Minha ferocidade infantil por rir do abismo
E minha mansidão de ter o direito de mudar de idéia

Eu sou um som
E juntos podemos ser uma sinfonia inteira
As dissonâncias e consonâncias
Estas serão as ferramentas, não para destruir,
Mas para edificar um castelo feito de acordes
Notas e todos os sons mais diversos

A catedral da deusa mais predileta de todas as nações, povos e raças: a Música!

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Frequência do Não-Ser

Uma linha que me guia
E me estende ao céu
Prendendo-me a ti
Terra lapidar e cemiterial

Traga-me a imensidão de tudo quanto é grande
Devora-me e digere-me tudo quanto é extenso
Universo Infinito que revela a semente sutil
Da expansão fundamental do que parece vil

Avança o tempo
Apodrece ao vento
As cãs em movimento
Cai pedra, cai folha
Cai a gota no telhado
E permanece esta freqüência
Do Inaudito e Inalcançável
Da imensurável frequência vibratória
Da entropia murmurante do Não-Ser

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Piano Agridoce ao Curry e NagChampa


04.07.2013


Cada noite sentado ao piano e todas as vezes em que, perto da janela, sentia uma dor pulsar nas mãos por tanto ficar estudando valeu a pena. Cada professor que tive, todas as lições que apreendi se constituíram para mim em sabedoria para uma vida inteira – e quem sabe para todas as próximas. As gargalhadas, as lágrimas e os perfumes, as grandes e pequenas audições, as palmas de agradecimento ou os olhares de desapontamento das pessoas que sempre souberam do meu potencial, nada foi em vão. As marcas, as cicatrizes, as seqüelas, as memórias, a nostalgia meio-alegre do tipo agridoce, tudo agora se apresenta diante de mim como suaves instantes efêmeros que, a despeito de sua rapidez assombrosa, me impressionaram eternamente, e re-cordo com um carinho especial todas estas coisas silenciosamente e com um sorriso furtivo no canto da boca, satisfeito por ter sido tempestuoso em tudo que fiz, exagerado na minha forma de comer o mundo inteiro por meio da arte, intensamente ébrio do cálice de tontear da Música das esferas, dos cubos e das formas sem linhas limítrofes – a estas, principalmente, ao disforme, ao dionisíaco, ao estranhamente agradável, sim, essencialmente a esta multiforme luz caótica que me rasgou por inteiro é que sou grato por hoje poder ter dado início à minha transvaloração e à minha paz, sorrateiramente inquieta e inquiridora em sua sede, mas profunda.