segunda-feira, 10 de março de 2014

Sobre o Sentimento de Pertencimento

Sobre o Sentimento de Pertencimento

Apenas as ovelhas sofrem desse mal. Os espíritos livres não pertencem a lugar algum, não têm título, não são de ninguém, enxergam os cercos e os limites apenas como impulso e sedução para ampliar sua própria liberdade, a liberdade de pertencerem a si mesmos.

Por muito tempo sofri e desgastei forças para ser admitido por grupos sociais, por ser aceito, por ser bem quisto. Agora eu vejo o engano de tal necessidade. Donde foi que tirei que eu precisava ser aceito? Não. Eu não preciso ser admitido em lugar algum, porque me admiti a mim mesmo, e que me lembro sempre me vi embrenhado em inúmeros bandos, partícipe de várias mesas de jantar, navegando, indo e vindo por aqui e por ali, reencontrando ou conhecendo pessoas de diversos tipos. O vento que me impeliu sempre foi este mesmo de saber internamente que o mundo todo é um tesouro a ser descoberto e que eu sou o descobridor.

Porque eu me impediria de alçar mais altos voos? Porque razão suficiente eu deveria me cercear o ímpeto de seguir o fluxo deste vento tão agradável e baixar as velas, ancorando meu navio, que é a minha própria vida, numa mesquinharia tão ofensiva ao meu próprio direito de devir?

Qual é o problema de estar no meio? Porque tanto me incomodava, e porque tanto incomoda que eu soasse em minha própria frequência? Seria, porventura, que eu, assim fazendo, não me subjugava a nenhum fardo que vós quereríeis colocar-me? Não, não carregarei fardo nenhum de vossa opressão. Não sou culpado por tamanha ignorância!

Para os espíritos livres cercos, linhas e formas são o vento que os empurra ao além. A única diferença que jaz entre uns e outros consiste na capacidade que alguns possuem de olhar para além do sentimento de posse, para além da mentalidade de bandos e para além de si mesmos. Sim, posto que ao encarar o próprio abismo interior é que se pode conhecer o outro - precisamente porque se permitiram olhar para além do próprio abismo interno.

Olha o abismo e ele te devolve o olhar.
Zaratustra! Oh Zaratustra, eis o meu próprio rio, o rio que somente eu posso atravessar.
Zaratustra! Oh Zaratustra, os navegantes são inumeráveis, mas a água é uma só.