sábado, 29 de dezembro de 2012

Dionysus

Um poema que foi publicado no facebook, no grupo Sinto, logo existo (https://www.facebook.com/groups/305655482863264/), pelo Bruno Sanctus (https://www.facebook.com/sophisticus), que eu li e achei perfeito! Degustem essa deliciosa loucura dionisíaca!

Dionysus

Fui Dioniso,
de sentimentos mastigados
e cuspidos.
De pedaços enrolados
em boatos e pelo mundo
espalhados.
De amores impudicos
amarrados aos cadarços.

Fui Dioniso,
educado em prostíbulos
por ninfas e sátiros.
Personificação da líbido
e alguns desejos
embriagados.
De ritos em motéis
cultuados.

Fui Dioniso,
Amante dos prazeres,
apreciador de um bom vinho.
Das vestes feitas da pele
de um inimigo.
Pai de Priapo,
de dotes descomunais
que invejavam os felinos.

Fui Dioniso,
deitado em lençóis
de cetim noturno.
E a insanidade
dentro dos cachos
de uva soturno.
Amaldiçoado, andarilho
de armadura com furo.
De pactos com beijos
selados.
E de orgasmos redigidos
em contratos.

Fui Dioniso,
nas noites boêmias
em guardanapos de boteco
escrevendo poemas.
Filosofias hedonistas,
nos meus teatros
que imitam a vida.
Ou após a bebida,
nas conversas que viravam
monólogos aos quais ninguém
entendia.


Fui Dioniso,
de intertextualidade subliminar.
Cheio de erros,
para arte me tornar perfeito
em seu limiar.
Contrastado com nuances
fertilizantes.
Num quadro de risos elegante,
à falar:

É... eu fui Dioniso!

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Zero Caótico Absoluto (ou Utopia II - projeto para concretização)

Tenho me permitido experimentar todos os meus pensamentos tal como uma experimentação de minhas melhores e mais nobres riquezas, sem direcionamento, sem procurar enquadrá-los em um objetivo específico, tentando ao máximo não submetê-los, nem subjugá-los a algum recorte maior ou a algum juízo moral decepante, porque suspeito que apenas por meio desta atitude poderei chegar a algum lugar (ou, o que parece ser mais coerente, uma meta que esteja além - utopia - e que seja capaz de determinar mais ou menos minhas pesquisas e aprofundamentos posteriores) se eu  puder ser influenciado e perpassado por tantas experiências e perspectivas que estiverem e se apresentarem ao meu alcance - sem reduzir, nem definir ou engessar - aceitar fluidicamente o Devir e o contínuo acontecer ígneo de minha própria vida/pensamento.

Tendo agido desta forma, pude descobrir coisas realmente interessantes. O mais importante, entretanto, foi conseguir encontrar em mim potencialidades e capacidades que jamais teria noção  a não ser por meio desse intenso borbulhar de sofrimento e infernalidade; perceber que a infinitude ocorre tanto para fora quanto para dentro e apreender que as medidas e proporções se desenvolvem para cima, para baixo, para os lados, em direções tortuosas, lineares, circulares, ondulantes e espiralares com uma flexibilidade e maleabilidade peculiares de uma espécie etérea do próprio Ser, que, no entanto, revelando-se como tal e com tais características, só posso dizê-lo (assumindo inclusive a própria contradição do discurso) como o Não-Ser, o Nada, o Vazio.

Esta vacuidade, mostra-se, porém, não como uma ausência completa, não como o nihil cristão/moderno propriamente dito, muito menos com o termo encontrado em Gênesis  "Bereshit bara Elohim et hashamaim veet haarets" (bara - com o significado parecido com o que grande parte da teologia chama de creatio ex nihilo - o que já é suficientemente capaz de revelar o caráter dissociativo e descompensado de um deus fora e distante de sua própria criação, ou seja, com uma separação primordial e um distanciamento próprio de um deus patologizado); revela-se, antes, como um elo, uma teia, uma infinita multiplicidade que não pode ser separada por que intrinsecamente é uma totalidade, um caos de diversas formas, e cores, e nuances, e trilhas e qualquer coisa imaginável e inimaginável, ou seja, é o o Vazio que se perfaz e que perpassa todas as coisas, o éter que dá condições tanto de surgimento quanto de manutenção, como aquilo que os antigos chamavam de Princípio Impricipiado, como o elemento que dá homogeneidade e que propicia sustentação à própria História...

Não se trata tanto de uma fonte, mas também como um perpétuo movimentar-se, um eterno penetrar, interpenetrar e transpenetrar. De fato, não consegui encontrar nenhum termo, símbolo ou conceito que dê conta de ex-pressar esta minha intuição (que não deixa de ser uma usufruição) e que não poderia desconectar sequer dos processos racionais e não-racionais.

É-TUDO-O-QUE-É
É-TUDO-O-QUE-ESTÁ
É-TUDO-O-QUE-ESTÁ-SENDO-AQUI-ALI-AQUÉM-E-ALÉM

Daí que eu tenha necessitado desbravar áreas do conhecimento tão diversas e considerar todos os caminhos viáveis, degustando tudo quanto pude degustar, algumas coisas aparentemente distantes umas das outras, sem nexo ou sentido, pois se tornou urgente desvelar mais...

Luz, mais luz!

A impressão que me marcou e que, como uma cicatriz, aparece e incomoda todo o tempo é que esta Luz, o Sóphos que evoquei deliberadamente, apresenta-se como uma amplitude assaz oceânica (por vezes assustadora) de lugares escuros, obscuros e ocultos que existem na inexistência superficial do saber instituído e dado em livros, escolas, tradições, culturas etc.. É como se agora, nos dizeres crísticos, eu fosse livre, verdadeiramente livre.

Esta liberdade não me foi concedida por uma entidade fora de mim, não foi outorgada, doada, mas encontrada com um esforço e uma angústia que quase me levaram à insanidade completa, uma conquista que ainda se dá e me joga diante dos meus limiares abismais, mostrando-me uma sabedoria trágica e ao mesmo tempo vivificante. A Luz a que me refiro (aquela que permite ver as coisas que outrora não se viam), não exclui, no entanto, de modo algum e sob quaisquer perspectivas, a própria escuridão, o lado sombrio e oculto. Pelo contrário, apenas agora é que consigo enxergar mais nitidamente que a Luz mais forte é tão densa e escura quanto a noite mais tenebrosa; que o branco cega tanto quanto o preto; e que a realidade é, na verdade, a mistura daquilo que nós separamos por diversos motivos; que nossos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9 são o 1, e que o 1 é apenas uma manifestação, a primeira, do Zero, de algo que é tanto muito maior quanto muito menor; que dificilmente poderemos um dia tornarmo-nos completos sob os signos da razão humana, justamente porque qualquer linguagem se desfaria dentro do Zero Caótico Absoluto!

sábado, 8 de dezembro de 2012

Pensamento agonizante

Escrever antes de dormir tem sido meu antídoto de sanidade, sem o qual estaria totalmente abandonado à solidão do meu próprio pensamento, pois tem sido extremamente difícil encontrar pessoas que estejam dispostas a especular e refletir mais profundamente os grandes temas, a existência, a sociedade, o mundo, o ser humano e outras questões que se relacionam com coisas que estão para além do discutir se o vizinho do facebook postou alguma imagem de um cãozinho dando indiretas imbecis ou piadinhas tortas. Questões que tratem não apenas de temas do cotidiano, porque já estou farto de discutir elementos que em nada irão contribuir para um pensamento que seja capaz de gerar uma mudança grandiosa, a longo ou médio prazo (o cotidiano é um ponto de partida, precisamos ir além disso, caso contrário ficaremos patinando nessa mesmice ridícula e entediante!)

Não se trata de um mero idealismo ou utopia individual, mas de relações integrais, de enxergar esta geração que agora envelhece e crianças que agora crescem em um mundo borbulhante e escorregadio, sem nenhuma perspectiva de projeto, destituídas totalmente de fundamentação ou valores nobres e grandes; entristeço-me o tempo todo por dialogar apenas comigo mesmo assuntos que muita gente considera secundariamente, como se refletir ou pensar fosse uma atitude não-humana, desprezível ou, convenientemente patológica!

Estes temas são secundários, sim, se cristalizarmos a mentalidade de que só o que temos é essa nossa rotina mesmídica e frívola, essa bolha diária que se perfaz de forma grotesca e se postura eterna e jovialmente nova como as mercadorias que não possuem, ao estilo melquisedequiano, nem origem, nem fim.

Reconheço que exercitar as regiões da mente que podem nos ajudar a evoluir como seres humanos (e, acredito, além-humanos) é extremamente incômodo, pois nessa viajem não há nada de muito estável, nada tão sólido que não possa sofrer mutações e, entretanto, reside nesse próprio elemento de mutação, mais precisamente de transmutação, a característica peculiar do movimento que o conhecimento pode promover, o caos a partir do qual é possível tudo, o caldeirão de onde todas as coisas podem surgir, nossas infinitas possibilidades, ou mais precisamente, nossa maior e mais brilhante nobreza.

A despeito de toda essa amplitude que temos à nossa disposição diante do contínuo movimentar das estruturas do conhecimento, historicamente a grande massa, a maior parte de todos os homens e mulheres prefere aprisionar-se, acomodar-se a tudo o que já foi padronizado, ao establishment, ao que já foi dado, às trilhas que já foram batidas pelos pés de outras pessoas.
Existem várias gratificações em andar o caminho que já está feito, não devemos desprezar isso de maneira alguma. Há segurança nestes velhos caminhos, algumas coisas e algumas consequências já são adequadamente previstas, há uma certa invariabilidade de reações e efeitos.
Por outro lado, a doença da modernidade é como uma grande inflamação que ocorreu por meio dessa incapacidade de dialogar com a realidade, com o movimento da história, ou da pretensão de acreditar que podemos colocar toda a realidade dentro de uma forma, quase como se fizéssemos dela uma massa modelável e controlável, tal como a de um grande bolo...

Aventurar-se em fazer e desbravar novos caminhos, conhecer e ter acesso a novos espaços, a novas perspectivas, ter a sensação de espreitar lugares (materiais ou não) completamente diversos daqueles que todos já sabem... Isso, definitivamente, não é para todos.

Isso não é para todos, não por pre-destinação, ou por que os outros não sejam capazes, pois se um é capaz, todos são, fazemos parte de uma mesma espécie, todos tem dedo opositor, todos andam eretos, todos pensam. Trata-se de um elemento de necessidade, de utilidade e também de gosto.
As pessoas não querem trilhar outros caminhos, porque já estão incluídos, já tem sentimento de pertencer a um grupo que também percorre nas mesmas direções; não é rentável; não é transitável e desgastaria muita energia, é mais fácil acumular energia (sim, porque o capitalismo não é apenas uma acumulação de dinheiro, mais do que isso, é uma acumulação dentro dos próprios trabalhadores com a intenção de focar a utilização de suas energias apenas para a produção de valor/capital); é gostoso estar em lugares conhecidos, é prazeroso o conforto da permanência.

O conhecimento traz um prazer que é fruto de persistência diante do movimento, ou seja, existe um atrito entre o sujeito que conhece e o próprio conhecimento, é um prazer que advém necessariamente da luta, do embate criador, das forças que vão se interpelando. Daí que possamos compreender porque motivos mais claros o conhecimento causa tanto sofrimento, pois surge das contradições, da luz que atinge os olhos que antes estavam acostumados à escuridão, ou da escuridão que aparece como o contrário da iluminação total, da luz extrema que também pode cegar. De uma ou de outra forma, o conhecimento é fruto de guerra, de jogos, de dunamis (aquilo que é dinâmico, dinamite, força), de agon (combate, luta, de onde surge também agonia, antagonico, protagonista, proto-agonista - primeiro combatente -, antagonista, anti-agonista -  o combatente contrário).

O pensador, ou aquele que assume a postura de pensar, se constitui de forma diversa de todos os outros tipos, porque não pode fugir da agonia de sua intensa vontade de conhecer, muito pelo contrário, ele sabe que é a própria agonia que pode propiciar o conhecimento, é a agonia que lhe dará capacidade para avistar novas direções e os instrumentos necessários para construir um novo caminho!

Sinto-me angustiado diante de tudo isso! Na verdade, sinto-me agoniado! Entretanto, não dá para enquadrar essa sensação em termos de bom ou ruim, necessariamente porque é ambas as coisas, e aqui está o grande mistério de um pensamento agonizante.




sábado, 1 de dezembro de 2012

Vazio e sem forma

Olho o papel branco e só após as curvas que vou delineando começo a preencher com riscos de caneta, tornando a folha cheia de palavras e significados, rasos ou profundos, mas que se encontram precisamente na ponta aguda da culminância e no ápice do meu desejo mais secreto que se constitui em dessacralizar o próprio segredo.

Sozinho na noite, debruçado sobre o caderno, ouvindo a cidade turbilhar num movimento de vira e desvira nas camas, percebendo que agora as ações são todas inofensivas e que refletem a extrema fragilidade urbana de uma província sob a turva claridade noturna e lunar... Sinto-me forte agora, sinto-me criador, sinto-me filósofo, sinto-me deus.

Como agora já o papel branco não é, também eu, a partir do Vazio que encontrei, vislumbro os clarins de minha maior angústia! E é somente deste complexo ribombar de vozes mudas, dentro de um âmago de paradoxo do não-existente vejo a maravilhosa força do Nada e do Não-Ser, posto que do Nada Caótico Original é que descobri meu mistério primeiro:

Todo artista é um deus que cria não apenas a partir da matéria-prima do mundo, mas de sua própria profundeza mais escura e labiríntica; que apenas os artistas, verdadeiramente artistas, podem ser deuses, pois só nós sabemos o poder de transformar e remodelar nosso mundo.

O artista é um deus que dança o caos primário do Kosmos!