"Não há classes sociais, não há raça, não há sexo! Nada há que não seja sofrimento! Todo o resto são ilusões construídas pela nossa espécie para tentar diminuir nossa angústia, nosso desespero! Todo o resto são modos que encontramos e criamos para fugir da verdade que nos persegue: a morte!"
Daniel Alabarce
Independente da existência dos
deuses ou não, fato é que nós existimos aqui, e, concretamente, visivelmente só
temos uns aos outros. Esse meu desabafo é externalização dos sentimentos que
tenho em relação ao mundo, minha visão de mundo, minha dor contínua, minha sede
de justiça que nunca é saciada e que, pelo visto, jamais será. Por perceber que
minhas ações em nada colaboram, já que nem mesmo a humanidade toda, com seus 7
bilhões de seres, conseguiria modificar a ordem natural, o que chamamos na
filosofia de “estado de coisas”. Temos que concordar que mesmo 7 bilhões de
pessoas são, diante da imensidão do Universo que nós muito mal conhecemos, um
fervilhar de vermes rastejantes, um leve empecilho para a Natureza... Empecilho
este que está muito próximo de ser completamente arrancado!
Tenho
apenas 25 anos, mas já fui exposto a tantas nuances da realidade humana. Apesar
desta parte da realidade a que tive acesso ser pequena em comparação ao todo
existente, é possível conjecturar algumas possibilidades com base nestas
experiências que tive.
Para
tornar minha constatação um pouco mais forte, possuo ao meu lado a experiência
das pessoas com quem me relacionei e me relaciono nestes 25 anos que vivi.
A
grande parte das pessoas são otimistas, mas otimismo não garante absolutamente
nada, apenas dá condições psicológicas às pessoas para que permaneçam existindo
e vivendo com relativa tranqüilidade.
Se
todos estes otimistas, aceitassem a realidade do jeito que é (e, no fundo,
todos eles sabem da crueldade da existência humana – apenas fingem que não
sentem isso, que desconhecem qualquer coisa que vá de encontro ao otimismo
idealista que eles mantém a todo esforço); se eles, objetivamente, aprendessem
a observar a vida humana, suas relações, suas ações sobre o planeta Terra,
veriam com facilidade que fizemos muito mais mal do que bem, e que a grande
parte das nossas relações (pra não dizer todas, já que não temos acesso a toda
a realidade) estão fundamentadas em mentiras, interesses egoístas e inveja.
O
problema não é o capitalismo, nem quaisquer sistemas
filosóficos/políticos/sociais, o problema é o próprio ser humano, que, atuando
o tempo todo no palco da sociedade demonstra ser aquilo que ele não é, nunca
foi e nunca será! O ser humano é tal qual os demais animais. E tal qual as
outras animálias, nós também somos controlados essencialmente pelos nossos
instintos. Estes instintos são instintos básicos de sobrevivência que são
encontrados em todos os seres viventes, inclusive no funcionamento do Cosmos,
dos Planetas e das estrelas. Parece, portanto, que esta é uma verdade universal
(parece, não podemos afirmar muita coisa, certo?).
Partindo
dos dados que temos, aqueles que nos são oferecidos pelas relações humanas,
podemos perceber que nossos instintos foram condicionados para além da nossa
necessidade de sobrevivência, e isto foi feito socialmente e culturalmente num
processo histórico muito lento, porém por demais eficaz!
Agora,
não lutamos instintivamente apenas por nossa sobrevivência, mas lutamos também
para obter mais coisas do que todos os demais. (querer ter mais, ser mais,
obter mais, é também uma característica natural que também pode ser encontrada
nos outros animais, só que no ser humano, esse caracter se sofisticou, assumiu
uma condição anti-natural, já que não respeita, ao modo natural, os ciclos, as
cadeias alimentares e leva o planeta terra – que é um planeta pertencente não
apenas aos humanos, mas a milhares de espécies – ao completo esgotamento, à
completa destruição).
Temos
que reconhecer, paradoxalmente, que a auto-destruição também é um elemento
muito presente na nossa dimensão. Todas as coisas, se olharmos de uma forma
mais ampla, tendem à destruição exatamente a partir do momento em que começam a
existir. Nada é eterno, a não ser o contínuo fluir de construção e
desconstrução, nascimento e morte, existência e aniquilação.
O
problema, de fato, é que nós não respeitamos a ordem natural de destruição das
coisas, não respeitamos mais o tempo de perenidade a que estão sujeitos todas
as coisas! Nós, não satisfeitos com toda a desordem e caos da Natureza,
decidimos acelerar o processo de aniquilamento.
Não
estou querendo fazer julgamentos morais em relação a esta atitude coletiva da
humanidade, já que, a estas alturas e com estas considerações, não há mais
espaço para qualquer moralismo. Entretanto, eu preciso constatar, mesmo que
para efeito consolador interno do meu ego, que, em verdade, nada há de tão bom
que não possua em si um germe de destruição, tédio e caos!
Não
que isso me console (se tal constatação me consolasse, seria uma contradição,
já que se acredita que consolo só pode ser fruto de bons sentimentos, ordem,
estabilidade etc...), mas isso me dá um pouco de satisfação. De algum modo, não
sei explicar bem como, constatar que nada pode ser feito me dá a sensação de
que posso assistir toda a destruição sem me envolver. Quer dizer, eu estou
incluído no processo de destruição de tudo, mas não me desespero, permaneço em
meu lugar como um observador, como apreciador das catástofres. Talvez seja uma
espécie de apreciação estética mórbida, mas qualquer pessoa terá de concordar
comigo que este prazer mórbido também está presente em todos os humanos. Se não
fosse assim o Coliseu não teria tanto sucesso, as torturas públicas não
atrairiam tantas pessoas, programas de televisão como “Amazing Vídeos” não
fariam tanto sucesso. Todos nós adoramos ver desastres, desde que eles não
estejam acontecendo com a gente, nem com as pessoas que nós amamos ou com
pessoas que, moralmente, acreditamos serem inocentes!
A
cada dia tenho experimentado um conglomerado de sentimentos. A impressão que eu
tenho é que de uns dois ou três anos para cá, eu tenho ficado extremamente
aberto a quaisquer experiências, sensações e fenômenos. E não tenho me fechado
para absolutamente nada, tenho deixado o fluir das coisas acontecerem, tento
apenas manter a apreciação estética sempre alerta, para poder usufruir ao
máximo de todos os prazeres que eu puder, pois já cheguei à conclusão
(particular, mas é uma conclusão minha) de que a única coisa que me resta na
vida é vivenciar todos os tipos de prazeres que eu puder, e isto se deve a esta
constatação de tudo tende ao pior, nunca à evolução. (Não estou aqui falando de
evolução/reencarnação, nem de coisas espirituais, pois é uma outra esfera, uma
outra dimensão – me atenho apenas a esta realidade material a que estamos
subjugados... Se existe outra dimensão, e eu até acredito que exista, temo que
ela não siga exatamente a mesma lógica, e dizendo que não segue a mesma lógica
também não estou dizendo que esta outra lógica é melhor do que esta, pois eu
estaria me baseando apenas no meu desejo para afirmar isso, o que não seria
muito interessante).
Vejo
o sofrimento de meus amigos, familiares, conhecidos e desconhecidos e até dos
meus inimigos (o sofrimento dos meus inimigos me dá muito prazer...), e me
sinto condoído, entristecido, quase que com as mãos amarradas, querendo fazer
alguma coisa, mas impedido por força maior. Não há forças em mim para
ajudá-los! Não há muito o que fazer para diminuir o sofrimento alheio, pois nem
mesmo o meu sofrimento eu consigo diminuir. De certa forma, aprendi a lidar com
o meu próprio sofrimento, transportando-o a um nível mais universal, porque
tornando meu sofrimento universal, torno-o igualmente vazio e, portanto,
desprezível, assim como Amor, Felicidade e outros universais!
Gostaria
que meus amigos e familiares partilhassem da mesma maneira de encarar o mundo,
pois acredito que, ao menos assim, seria mais fácil encarar o medo, os
sofrimentos e as angústias da nossa vida. Acredito que pessoas que chegam a
estas mesmas constatações ficam mais desinteressadas com seus próprios
problemas, ficam mais sensíveis ao sofrimento alheio, pois acaba por enxergar
que todos, impreterivelmente, estão no mesmo barco! Não há classes sociais, não
há raça, não há sexo! Nada há que não seja sofrimento! Todo o resto são ilusões
construídas pela nossa espécie para tentar diminuir nossa angústia, nosso
desespero! Todo o resto são modos que encontramos e criamos para fugir da
verdade que nos persegue: a morte! Desde que nascemos enfrentamos o nosso corpo
ao invés de usufruir ao máximo dele. Desde que nascemos somos ensinados a odiar
o nosso corpo, justamente porque é o corpo quem aponta nossa finitude. Consideramos
mal o corpo que morre, o corpo que adoece, o corpo que se desfaz e apodrece.
Não temos coragem de reconhecer que não há escapatória para a morte, queremos
acreditar que podemos vencê-la! Mas para vencer a morte (e morte aqui está
ligado ao conceito mais profundo de destruição e aniquilamento cósmico)
precisamos abandonar aquilo que nos condiciona à morte, aquilo que nos torna
aptos para morrer, ou seja, nosso corpo!
Algumas
pessoas me questionam sobre toda esse meu pensamento, duvidam mesmo de que eu
acredite piamente nisso, já que me vêem sempre a sorrir, brincar e me divertir.
Dizem que este pensamento não combina comigo.
Na
verdade, não acredito que não combine, acredito que, verdadeiramente, eles não
querem acreditar que eu possa pensar desta forma, afinal, como pode uma pessoa
aparentemente feliz acreditar na destruição de tudo! Não é possível! Mas esta
sensação que as pessoas tem em relação a mim, só corrobora tudo o que eu disse:
não somos capazes de usufruir de tudo, de todos os prazeres, não acreditamos
que podemos ser felizes, o sofrimento que experimentamos nessa vida é tão
grande que (junto com o maldito cristianismo) acabamos por acreditar que temos
que sofrer aqui para lograr algum prazer em outra vida. Acreditamos piamente
que neste lugar não é possível ser feliz diante de nossa triste situação! Ou
seja, todos, como eu disse antes, sabem do extremo e infeliz infortúnio de
existir, mas não aceitam isso, lutam o tempo todo para fingir que estão bem, e,
paralelamente, acreditam que este sofrimento é a justificativa de que eles um
dia merecerão algum tipo de alegria eterna, em troca de toda as mazelas
terrestres. Quando na verdade seria muito mais saudável para nós fazer o que
nossos psiquiatras e psicanalistas nos ensinaram a fazer em relação a nossas doença
psicológicas, aceitando-as, e tentar usufruir de uma parcela de alegrias ainda
em vida... Desta forma, poderíamos nos curar de uma boa parte de nossos
hematomas existenciais.
Quer
dizer... Não basta não pedir pra existir, nem nunca ter sido levado a corte
alguma para defender nosso direito de não vir a este mundo... Nós precisamos
sofrer ainda mais do que isso! Isso é um absurdo! Eu não aceito sofrimento
deste tipo! Sofrimento maior que existir é um contrasenso! Daí que eu seja a
favor de aceitar nosso sofrimento existencial (isso inclui a constatação do aniquilamento total das coisas), e a
partir dessa aceitação construir um novo modo de encarar a própria existência,
ou seja, um lugar de aproveitar desesperadamente de todos os tipos de prazeres
que possam surgir! E digo “aproveitar desesperadamente”, pois é desespero
mesmo! A nossa busca por prazer está entranhada de dor e sofrimento. Buscamos
prazer justamente porque não o possuímos em nós mesmos. Não é constitutivo de
nossa biologia humana o prazer![1] O
prazer está sempre nas coisas que nos dão prazer, pois não possuímos, além do
prazer sexual, nenhuma outra forma de prazer individual, todos os outros tipos
de prazeres são originados daquilo que nos é externo![2]
[1] De fato,
o prazer sexual é um tipo de prazer que nós possuímos em nós mesmos. Talvez um
dos únicos! Daí que nós possamos, a partir disso, compreender o desespero
sexual na modernidade! O sexo é (sempre foi, porém num grau muito maior agora),
atualmente, a principal forma de entretenimento e lucratividade!
[2] Aqui
precisamos reconhecer que podemos sentir prazer sozinhos de forma sexual, tanto
homem quanto mulher, mas que o prazer sexual maior se dá por meio da relação
com um outro que não nós mesmos. Sexo a dois, a três ou em grupo, não importa,
sexo (masturbação ou outros meios de se dar prazer) a um nunca é tão prazeroso
quanto o sexo feito com outro(s).
Muito bom texto,parabéns!
ResponderExcluirAcho algumas coisas que você disse muito pertinentes,até mesmo porque algumas delas são influências suas sobre mim.
Lembro de várias conversas que tivemos e na maioria delas sempre falávamos sobre a "Angústia da Vida".
Não me considero um otimista,pois as experiências que tive me fazem olhar sempre de outro modo para o que houve ou pode acontecer. A realidade é dura,árdua e triste.
Confesso,meu amigo,que ainda me pego pensando que isso e aquilo pode dar certo ou não.Contudo,não creio que isso seja otimismo,apenas uma maneira de ajudar-me a enfrentar a realidade de que não temos controle sobre nada,que a vida é um caos. E afinal, "do caos se cria",é por isso que continuamos aqui,até o "caos" é belo.
Abração Babaca!
Bryan
cara! muito bem destilada, tua questão.
ResponderExcluiragora me diz...e aí? digamos que constatamos tudo. digamos que os otimistas decidem assumir que sabem da praga que é esse ser humano do qual você fala, essa coisa limitada, feita de carne e medo(e adianto que essa não é minha visão). e aí, o que fazer? se matar? essa é a solução para quê, mesmo? talvez para uma satisfação meio masô. viveriamos melhor? rapaz...somos grandes icebergs. nunca poderemos mudar isso, e mais de 80 % de nós está mergulhado em um mar de desconhecimento de si mesmo. cabe a cada um trabalhar isso, de sua forma. a simples contatação de algo não passa de pura curiosidade mórbida. é preciso sim, reconhecer em si o caos e a ordem, o divino e o "trevoso"; mas isso nos dá a dualidade, não o dualismo. não é ou isso, ou aquilo; é isso E aquilo...é pior do que parece.
grande abraço.
olá, cara. Agradeço pelos comentários, o do texto de Nietzsche tb.
ResponderExcluirconfesso que muita coisa mudou no meu pensamento nesse pouco tempo.
Mas diante da constatação de que o ser humano é uma praga, feito de carne e medo sinto que podemos realizar o que Nietzsche falou sobre o 'além-homem', aquele que transcendeu a própria humanidade, ascendeu de modo tão brusco que já não pode mais ser apenas humano,demasiadamente humano, se constituiu como um além-humano.
Uma teoria da aniquilação de tudo serviria, então, como aquela corda estendida sobre o abismo.
E sim, concordo com você, o correto não é isso ou aquilo, mas isso E aquilo, ao mesmo tempo, como no ying yang...
um grande abraço, e obrigado novamente!