Tudo é aparência, seja verdadeiro, falso ou dialético.
E a aparência é. Ela simplesmente se apresenta diante de nós. O julgamento que fazemos sobre aquilo que nos aparece só acontece depois. O ser é aparência, a gente não conhece nada a não ser pela aparência.
Teve um episódio, no programa Fantástico, que várias pessoas foram entrevistadas e perguntaram: "O que importa mais pra você: aparência ou conteúdo?" Aí eu respondi bem alto na frente da televisão: "Não importa, tudo é aparência, quando aparecer o conteúdo de uma pessoa, isso não é aparência também?"
Essa discussão ridículo sobre aparência/conteúdo ou essência/aparência é um porre! Tudo o que é, tudo o que existe é muito semelhante a uma cebola cheia de casca em cima de outra casca. A gente chama conteúdo aquilo que ainda não se tornou aparência, mas uma hora o conteúdo aparece e deixa de ser conteúdo, agora é aparência, apareceu assim, na nossa cara!
Não entremos em pormenores, coisas deste tipo não merecem nosso desgaste ..
Hoje, como já faz parte da rotina, senti um desprezo tão grande pelas coisas - tédio.
Restou-me apenas a música.
Sentei ao piano, toquei uma música que pudesse me agradar... Senti uma leveza tão gostosa. Uma paz tranquila!
De fato, a arte, em geral, pode retirar o ser humano do tédio.
Mas apenas por um instante, e nisso constitui seu pseudo-poder. Nietzsche, o filósofo bigodudo, disse que: "
Nisto reside sua ação saudável . Ela nos retira da realidade por um momento, é um rapto, um arrebatamento sutil, uma violação apreciável. É uma forma de alienação, porém sem estragos consideráveis, pois a arte (no meu caso a música) logo que nos rapta, imediatamente nos abandona na existência concreta - pareça ela doce ou amarga aos olhos do sujeito.
É um conflito, um paradoxo e também uma solução, do mesmo modo que bebidas alcoólicas, já diria Homer Simpsom. Por raptar tão violentamente, e abandonar de modo semelhantemente abrupto, vicia!
E o vício da arte, da música, é bem pior que qualquer outra droga (sintética ou natural), exatamente porque seu efeito é curtíssimo. É necessário consumir com mais frequência, e em doses cada vez maiores. (talvez deste modo a gente consiga compreender o funk em volume máximo nos carros rebaixados, o sertanejo universitário que segue sempre os mesmos padrões musicais e outros estilos mais repetitivos... É! Isso explica várias coisas)
Por exemplo, se eu parar de tomar meus remédios contra insônia, o efeito colateral é uma insônia hiper-crônica!
Se eu começar a fumar dois cigarros por dia, daqui a uns dias meu organismo me pedirá quatro...
O livro judeu de provérbios "acerta o pulo" quando diz que a sanguessuga tem duas filhas: uma se chama Dá, a outra se chama Dá. (Provérbios 30:15)
É trágico, a música e a arte em geral constituem apenas um dos modos de lidar com o tédio, de superar a angústia de uma espécie que se auto-explora, que se auto-destrói e que não pode conhecer tudo.
Mas é nesse elemento trágico mesmo o lugar onde podemos encontrar a beleza, o Belo. E encarar a música dessa forma só me faz amá-la com mais intensidade.
NESTE ASPECTO, artistas são todos hipócritas (do grego: hupokrisis - que tem o sentido de atuar, de exercer um determinado papel, tem um significado artístico, entendam-me!) Nietzsche dizia que precisamos criar ilusões, porque ele sabia que o sentido da vida não é dado em forma de uma missão divina pessoal, o sentido da vida é algo modelável, precisa ser construído, mais precisamente precisa ser criado de forma artística. Não precisa ser músico, ator, pintor, bailarino ou seja lá o que for. Basta ser criativo, se permitir ser quem você é sem se preocupar com a opinião alheia, se lançar na vida de uma forma positiva, afirmativa, aceitando a tragédia, o drama, mas sem se abandonar em ausência de significado e niilismo.