domingo, 16 de outubro de 2011

Sobre Escolas, Prisões e Fábricas...

A escola funciona como uma prisão onde os alunos ficam encarcerados e subjugados à uma educação determinada pelo Estado.

Não podemos negar que toda educação, no Brasil (também em outros países), é uma educação para atingir uma única meta: preparar trabalhadores simples e especializados, isto é, manipular e controlar todos os saberes de forma que lhes sejam úteis apenas para o trabalho, para a produção de mercadorias, para gerar e manter o lucro. É utopia acreditar que existam finalidades emancipatórias, libertárias ou bondosas no atual sistema de educação.

A diferença existente entre uma e outra escola, em relação à exposição de determinados saberes, consiste em interesses específicos ao próprio Estado, à própria comunidade e às formas de produção existentes no contexto particular de cada cidade.
Na cidade de Taubaté e, em geral, no Vale do Paraíba, as fábricas falam mais alto que qualquer outra coisa. Somos um povo fabril (não seria febril?). A finalidade última da educação, portanto, é preparar novos peões de fábrica, engenheiros (que se multiplicam aos milhares por aqui) e trabalhadores de empresas terceirizadas.
Não há preocupação efetiva em preparar um aluno da periferia para entrar em uma faculdade de ensino superior, pois se sabe prontamente que as chances são mínimas nesse contexto. A função da escola é manter os filhos dentro da escola para que os pais continuem girando a roda monstruosa da economia e da produção.

A mente de uma criança moderna funciona de forma bem diferente do padrão de alguns séculos atrás. Os mecanismos e o avanço tecnológico dos instrumentos de produção capitalista acabaram por inserir, de forma misteriosa (a cultura...), informações específicas no corpo, na mentalidade de cada indivíduo. Creio que existe uma pré-disposição genética nos humanos modernos para assimilarem melhor a nova tecnologia, tanto que qualquer não estudioso ou pesquisador pode perceber a imensa facilidade das crianças para manipularem os produtos eletrônicos (como se já houvesse um hardware inserido biologicamente por meio de condicionamento psicológico através da qual fosse possível instalar os softwares que permitem o manuseio das novas mercadorias) – O livro “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley e “1984”, de George Orwell podem ser retirados da categoria “Ficção”...

O consumo desenfreado de mercadorias, a intensa e massiva propaganda que forma e modela o pensamento, todos os fatores confluem para que o corpo do ser humano se adeque, administre as informações e as internalize psicológico e biologicamente. É a assimilação biológica e psicológica que permitem esta reinvenção do ser humano... É uma reinvenção, reconheço, mas isso não significa reinvenção direcionada ao melhor, progresso, evolução. Não tenho certeza de que sejamos ainda homo sapiens. A impressão que fica estampada diante de mim é que estamos involuindo!

Há pouco tempo, de uns 10 anos para cá, o Estado deu início à manutenção de um tipo de ensino um pouco diverso dos anteriores (esse tipo de ensino já existia, mas passou a ser reforçado, daí que eu esteja falando sobre ele, pois trata-se de uma nova forma de encarar a educação, uma nova mentalidade que vai se cristalizando tanto entre os professores quanto entre os alunos), a saber, o ensino de período integral.
Quando mencionamos o termo ‘integral’ estamos expressando algo que é íntegro, que integra, que é totalizante; integrar, portanto, é unir, juntar o que está esparramado.

O ensino integral, então, surge como um meio de apresentar ao aluno uma nova perspectiva sobre o saber, um saber íntegro. Bom, isto é o que nós estamos ponderando aqui, no exato sentido do termo ‘integral’... Enfim... Hipoteticamente, ensino integral desvela saberes que integram: artes plásticas, música, recreação, dança, pintura entre outros. Pressupõe-se que a criança irá assimilar estes saberes e criar uma nova visão, aprender algo novo, um novo tipo de conhecimento.

Mas...

Se, por um lado, a escola funciona por meio de controle, manipulação do conhecimento e completa destruição das liberdades individuais; se, por um lado, a grade curricular do ensino fundamental e médio seguem cartesianamente a atomização e divisão dos alunos e professores, a especialização; o Integral, por sua vez, reflete exatamente o que ocorre nas estruturas da sociedade e em toda a periferia dos mecanismos de controle. Ou seja, o Integral é imagem e semelhança do que acontece na mentalidade moderna: indivíduos que se desintegraram por causa da atomização, tanto do trabalho quanto da educação, que não possuem uma unidade própria bem definida, por estarem esparramados em várias direções, mas que estão, agora, diante de uma nova situação, de um novo modo de saber, um saber que lhes é totalmente alheio, diverso, inverossímil com a realidade do cotidiano: o ensino integral. Quer dizer, o Ensino Integral, teoricamente, surgiria como uma oportunidade de costurar os saberes, de integrar, de unificar o conhecimento. Só que este objetivo é totalmente contraditório com a forma padrão de educação moderna, que não é a de integrar, mas separar e especializar.

A proposta subliminar do Estado com a implementação do ensino integral, entretanto, primeiramente é possibilitar a produção de mercadorias, ou seja, permitir aos pais dos alunos que permaneçam em seus trabalhos sem se preocupar com os filhos. A proposta de ensinar música, artes, dança, teatro, moda etc. é apenas secundário. Tanto que não há cobrança nenhuma nem dos alunos, nem dos professores, exige-se apenas que haja uma apresentação por semestre de alguma coisa... É suficiente!
Não é cabível exigir que os alunos se dediquem, por exemplo, ao estudo da música, ou mais particularmente da leitura musical, pois já existem outros saberes (os controlados, aqueles do ensino fundamental e médio, matemática, português, física, história etc) que ocupam o tempo deles.

Isto significa que não há, de fato, preocupação do estado em ensinar as artes, formar novos artistas, sensibilizar, criar uma mentalidade artística ou desenvolver uma sensibilidade estética. O Ensino Integral tem função de mero entretenimento, o fim último é manter as crianças dentro da escola para que os pais possam trabalhar.
Não há continuidade nenhuma. Não há ‘integralidade’...
É o mesmo que ocorre a nível universal, a nível coletivo: as pessoas, que foram domesticadas e acostumadas à divisão e à compartimentação de tudo, de modo contrário se sentem impelidas à liberdade, é o que acontece com o mosquito preso no copo que se debate lutando por seu instinto natural de sobrevivência.

O problema é que, estando acostumados à prisão, não sabem lidar com a liberdade e isso causa angústia e é esta angústia que desencadeia os ‘barulhos da alma’ (parafraseando Epicuro), ou seja, a falta de educação, as respostas ásperas, a irritabilidade geral dos alunos (a-lunos , aqueles que não tem luz)são formas e mecanismos de escamotear o problema real, fingir que não há o problema mesmo. De outra forma: intuitivamente sabe-se, sente-se que há um complexo emaranhado que as mantém controladas, presas, domesticadas, de que são corpos docilizados, e que existe neles, todavia, essa vontade intensa de ser livre, de respirar ares ainda não respirados, mas a realidade concreta lhes mostra o tempo todo quão presos e escravizados estão.

Tendo dito tudo isso, concluo: este é um assunto complicado demais pra se propor alguma ação efetiva, prática... Ainda é preciso aprofundar, buscar no abismo, mergulhar e se sujar de lama pra entender a sujeira toda que cobre, que esconde as reais intenções nos mecanismo de controle (um deles é a educação – e a mais eficiente) que o Estado possui.

É preciso primeiro esclarecer, iluminar, trazer para cima o que está embaixo, revelar o que está oculto, conscientizar, guiar os olhares para o problema, encarar a nudez explícita do caos, olhar o abismo para depois rir dele...

3 comentários:

  1. Daniel querido, suas reflexões são sempre um presente.
    Posto que mantem em si o olhar atento do pensador.
    e pensando, quem sabe outros Daniéis poderão contribuir também com as soluções.
    Pois, não existe "estado" não existem grandes organizações o que existe são pessoas, humanos.
    Humanos que ao reproduzirem somente reproduzem os conceitos escravistas e docilizantes...
    sempre escravizando humanos...
    Porém, enquanto há vida, há esperança.
    E quem sabe, recontaremos que esse humano algum dia, observou sua humanidade.

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  2. Muito bom esse seu texto, Daniel! Sua visão é positivamente perturbadora e bem contundente. Texto bom pra tirar certas pessoas da zona de conforto. Parabéns meu querido, estou aqui me saciando no seu blog! Huahua. Forte abraço!

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  3. Daniel,
    Vale lembrar que antigamente a ciência ( entenda como educação ) era controlada pelo clero, afirmando que o conhecimento dependia da fé e proibia a experimentação. Depois disso com Ratke que foi, digamos, o ' pai ' dessa educação que conhecemos hoje, instruiu o governo a instalar e administrar escolas públicas. Dentro dessas escolas, foi criado uma forma hierárquica onde se prioriza a escrita e o cálculo....
    Vamos fazer uma breve comparação com o trabalho manufaturado com essa ' escola ', onde mesmo o Ratdke fez parte :
    Sob o comando do proprietário, vários trabalhadores produziam a mesma peça, coletivamente, no mesmo local, ao mesmo tepo, utilizando as mesmas ferramentas...
    Na escola...Um único professor, com a presença de dezenas de alunos, num mesmo lugar,utilizando o mesmo instrumento de trabalho, o manual didático, ministrava o mesmo ensino a todos, na mesma hora e ao mesmo tempo.
    Ressaltando...tudo isso aconteceu ao mesmo tempo que Galileu defendia a tese heliocêntrica de Copérnio, Hobbes estava em processo de Leviatã e era uma era pré-iluminista...
    Aí sim, começamos uma era que abriu espaço para o empirismo....

    O problema é que mesmo se ' soltando ' do clero para ter acesso a ciência e a um conhecimento mais livre, depois de séculos não conseguimos grandes revoluções nisso o que chamamos de educação.
    O governo precisa de trabalhadores considerados de baixo escalão para sustentar seus deleites...porém para isso precisam ter cuidado em investir muito no nosso sistema, visto que um avanço cultural e de pensadores na sociedade se transformaria em uma massa de revolucionistas.


    Concordo com você e apenas quis comentar pois estou estudando sobre isso no momento HAHAHA.
    Bem...não pretendo ter filhos, mas se tiver...eles não vão para a escola.

    De seu companheiro músico, Renan. haha que engraçado.

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