quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Sobre a morte ou: ixi, fudeu!

Estou pesquisando o máximo que posso para poder fazer o famosíssimo TCC (trabalho de conclusão de curso - podemos chamar também de TGC: Tomando gostoso no cú! rsrsr).

Desde que eu entrei no admirável mundo acadêmico (não é grande coisa...) eu já me preocupava com este TCC. Não tanto por ser um TCC, por meio do qual posso adquirir (depois de ter pago muita grana também) um diploma de bacharel. Isso não é tão importante assim. Mais importante era eu conseguir adentrar o mundo da filosofia com o pé esquerdo (marxista nenhum gostaria de entrar com o pé direito...)

Eu, antes mesmo da faculdade, já lia algumas coisas sobre filosofia, psicologia (o que não ajudou muito). Eu queria, então, pensar de forma original, com conteúdo e de forma correta. Queria (e quero) fazer minha história na filosofia. Queria que o tema que eu escolhesse para pesquisar no TCC fosse uma porta para que eu pudesse dar continuidade a um pensamento filosófico... Parece que eu consegui este tema.

A morte tem sido, em toda a história da filosofia, tratada apenas como coadjuvante... Mesmo que Sócrates tenha dito que o filósofo se prepara para a morte, sempre a morte é encarada como uma passagem, uma ponte para outra vida.

O pouco que se fala na morte, fala-se apenas nos aspectos mais espirituais. Não se considera que esta é apenas uma das hipóteses, não a única, não a correta.

Quis, então, me afastar de toda a espiritualização da morte. Quis encará-la como a natureza nos mostra. Schopenhauer diz que a natureza nos tem mostrado a morte sempre como um fim, um fim mesmo, não um outro começo.
Eu decidi encarar a morte, portanto, como sendo um dado final da existência dos que vivem.

Sei também que esta é também uma outra hipótese, outra conjectura! Mas... e daí? Vivemos sob a hipótese de que há vida após a morte desde que nos conhecemos por humanos... Qual o problema de olhar outros aspectos? Absolutamente nenhum! Muito pelo contrário, é saudável termos outros pontos de vista, pensarmos as possibilidades, posto que o ser humano tem lá poucas certezas... Mesmo a ciência moderna não pode ter tantas certezas. A mecânica quântica é um destes elementos que vieram para mostrar que no mundo atômico, no mundo dos prótons e dos neutrôns não há previsibilidade. E, sim, se deus existir, ele é chegado num joguinho de dados! ¬¬

A ciência é, como disse Nietzsche, embebida de decadência, pois pressupõe a existência de uma verdade. Recorta a realidade segundo seus métodos afiados e determinam sobre a realidade uma fórmula X, mas isso não significa que a realidade é toda controlável, nem que poderemos ter o conhecimento total das coisas.

Partindo, então, deste pressuposto de que a morte seja exatamente aquilo que todos temem que ela seja, o fim, eu iniciei minhas leituras, minhas observações e conversas com o pensamento de outras pessoas ( o que eu acho imprescindível para um bom pesquisador e filósofo).

E durante todo este tempo de observação, pesquisa, leitura e diálogos, tenho notado algumas coisas importantes para meu trabalho (como detesto a palavra trabalho...)

Num primeiro momento, o que ocorre com mais frequência é as pessoas se afastarem do assunto, tentarem mudar o tema da conversa, encontrar meios para fugir de falar na morte. A maior parte das pessoas, cada uma com suas próprias justificativas, dizem que este assunto é muito pesado e que não deveria ser discutido.
É claro que ninguém vai ficar falando sobre a morte num pique-nique. O problema, porém, não é esse, mas se trata de não falar sobre a morte nunca sob quaisquer aspectos que sejam!

E aí eu me perguntei, para problematizar a pesquisa, por quais motivos as pessoas se posturam de tal forma diante de um assunto tão certo, tão possível, tão iminente como a nossa morte?

E as conclusões foram muitas, várias, inúmeras. Tradição, superstição, medo, preguiça... e outros.

O que me interessou em tudo isso foi que, realmente, somos uma raça (a única) de seres vivos que sabem que vão morrer, mas que jamais se permitem pensar mais profundamente sobre isto.
Quer dizer, somos os únicos animais que sabemos que vamos morrer, mas fingimos que não sabemos de nada! Mascaramos nossos medos e pensamentos sobre a nossa morte, criamos subterfúgios aos milhares para escapar da iminência do fim; vivemos como se fossêmos imortais... e as religiões dão bastantes argumentos para que este sentimento de imortalidade permaneça.

O fato é que nenhum de nós sabemos se há ou não vida após a morte, não podemos ter certeza sobre isso. Os vivos só sabem que estão vivos, apenas os mortos conhecem a morte, ou seja, nenhum vivo pode experimentar a morte de forma total e completa!! Se isso acontecer deixará de ser vivo para tornar-se morto, oras!

Recorrendo à mitologia grega, podemos até ter algumas vivências parecidas com a morte, como o sono, por exemplo.

Na mitologia grega, Tânatos (a morte) era irmão gêmeo de Hipnos (o sono). O sono é semelhante à morte, também o é o desmaio e o esquecimento. E sob estes aspectos, todos nós sabemos algumas poucas coisas sobre como a morte poderia ser.

Schopenhauer ainda propõe outro elemento, a saber, a eternidade que passamos antes do nascimento. Isso é o mesmo que chamar a atenção de todos para pensar também naquele tempo em que ainda não existíamos, do qual não temos medo algum, no qual nem ousamos pensar. Ele propõe que esse desinteresse que sentimos em relação a este nosso tempo de inexistência antes do nascimento seja também dirigido em relação ao que pode ou não vir depois da morte, pois, segundo ele, o não-ser post mortem(após a morte) não pode ser tão diferente do não-ser antes do nascimento.

Sobre o sono e o desmaio, e também sobre o tempo antes do nascimento, há um elemento em comum entre eles com a morte que é o adormecimento da consciência. No sono profundo, no desmaio, no tempo antes do nascimento e também na morte não há resquício de consciência!

Nos primeiros elementos (sono, desmaio, tempo antes do nascimento) não sentimos dor, não sentimos tristeza, nem alegria, nem amor, nem ódio. Então, pergunta Schopenhauer... o que é que nos faz temer a morte de forma tão irracional?

O que nos faz temer a morte é exatamente o que nos faz lutar para viver, é o medo de perder o corpo, é o medo de que morra o nosso organismo. A mesma vontade de viver é também o medo de morrer, são duas faces da mesma moeda.

Para Schopenhauer, porém, o consolo que nós podemos ter em relação ao medo da morte é que do mesmo modo que saimos do seio da natureza (no caso, do seio da vontade que move o mundo e a natureza), por meio da morte retornamos a ela, é como se nos dissolvêssemos nela. Para a natureza, que é indiferente ao indivíduo, nós não significamos nada, o que permanece é esta vontade.

Já para Nietzsche, esta experiência da morte é vivenciada o tempo todo.
O homem não é dualismo como quer Platão (alma/corpo), ou trigonomia (como quer o cristianismo (corpo/alma/espirito), o homem só pode ser multiplicidade, pois nele há milhões de organismos vivos, de células, de forças que lutam entre si para que nós possamos continuar existindo. Ou seja, para que uma célula do meu corpo sobreviva, é necessário que outra morra, e isso ocorre continuamente. É o mesmo que dizer que morremos continuamente. Desta forma, a morte não é um fato distante, mas um fantasma totalmente presente, é uma sombra que jamais se afasta.
A morte, portanto, como a entendemos (num caixão, e sendo enterrado) é apenas mais uma de nossas mortes, porém uma que é completa e total, ou como disse Heiddeger: "o fim de todas as possibilidades".

Independente se nos dissolvemos na natureza ou não, como quis Shcopenhauer, o que importa é que quando um indivíduo morre, se desfaz também sua consciência! E para a consciência a morte se constitui um dos piores terrores.

A consciência funciona, como disse Feurbach, com tendência ao infinito (que isso não sirva de argumento para tentar provar a existência do infinito - só por que ela tenda ao infinito, não signifique que exista) Para entendermos melhor, sem confusão, basta pensar que o conhecimento, para que exista, necessita de uma consciência capaz de avançar, de se superar, ou seja, não há limite para o conhecer. SE vivêssemos imortalmente, sempre estaríamos conhecendo, cada vez mais! Só não podemos conhecer mais por que somos finitos, morremos.
Se a consciência tende ao infinito, nestas condições que consideramos acima, ela não pode, ela não é capaz de conceber a finitude, ou seja, a morte é um disparate, é um paradoxo dos mais absurdos para a consciência. E, tenho por mim, que esta é a melhor explicação para o por que de criarmos tantos subterfúgios, tantas máscaras para a morte. No fundo, tudo está relacionado a este absurdo que é a morte para a consciência humana.

O ser humano é o único que pensa, é o único que pode conhecer, que tem natureza cogniscitiva, que tem capacidade de acumular conhecimento, transformar e modificar o conhecimento adquirido. E nisto consiste o paradoxo, ou seja, que sua consciência, por causas de estrutura cognitiva, tende ao infinito, mas que seu organismo seja finito. Aqui também "jaz" a explicação do surgimento da dualidade corpo/alma e também da dualidade mundo sensível/mundo suprasensível! Já desde muito que o homem percebeu este paradoxo. O problema é que por mais paradoxal que seja, finito e infinito são elementos que, no homem, são... dialéticos. Não há como separá-los, a não ser por meio da morte, quando a consciência, junto com o corpo, cessa de existir. O corpo, na verdade, deixa de funcionar, ele permanece existindo ainda por um tempo, mas logo também, por causa da putrefação, deixará de existir. Quando digo que corpo e consciência deixam de existir, estou querendo dizer que corpo e consciência são uma e a mesma coisa, não há distinção, pois só há consciência enquanto há corpo. Até agora, pela experiência, o que sucede é que a consciência só existe, por que há todo o funcionamento do corpo, não se tem ainda nenhuma prova pela qual se possa dizer que a consciência possa funcionar sem o corpo. Concluo, assim, que consciência é parte do corpo, é também organismo partícipe do corpo, tal como é um rim, um coração ou o pâncreas. De fato, todo o conhecimento que temos é fruto de conexões neurais, que podem, inclusive ser modificado por estímulos elétricos em determinadas partes do cérebro. Quando, em casos de doenças mentais, parte do cérebro é afetado, é afetado também tal ou tal capacidade cognitiva, como o raciocínio lógico, a percepção tátil, a visão ou qualquer outro sentido pelos quais nós acessamos o mundo.


Qualquer hora dessas eu venho escrever mais!

Uma Carta...

A Carta:
Sonho, morte ou realidade?

“Para quem interessar”:

Não sei que dia é hoje, nem que horas devem ser ao certo. Sei que estou aqui, que estou respirando, vendo pessoas ao meu redor, ouvindo diversos timbres de vários instrumentos, e percebendo diferenças entre os sons musicais e o som das diversas vozes a conversar. Sei isto, por que meus sentidos enviam isto ao meu cérebro. Por alguma razão que desconheço eu acredito piamente que tudo é verdade. Talvez por tudo ter sido exatamente desta maneira desde que me recordo, desde que me conheço por gente: sinto, portanto existo!
Hoje, penso, parece um dia como qualquer outro: as gotas de chuva caem com leveza delicada sobre a terra, e esta exala um odor úmido e único. Mas há uma exceção, há uma fagulha de desconfiança que paira sobre a mente… E é justo a minha, a minha mente, como sempre, claro!

Não sei… Todavia… algo dentro de mim persiste em repetir uma mensagem, pelo menos é o que eu creio ser: uma mensagem. Como se em mim vivesse outro “eu”, um outro ser dentro de mim. Pode ser uma frase, um ideal, um conceito ou simplesmente… Uma mensagem. Pra ser sincero eu mesmo não consigo discernir, mas com freqüência estas estranhezas me ocorrem.

Este “outro eu” me desvendou um outro lado de tudo, um detalhe que eu ainda não percebera: “Porventura… Se… Será… que todos nós não estamos vivendo numa eterna e contínua utopia? Será que a vida, a morte… nós mesmos… não passamos de um breve sonho e na pior das hipóteses: um pesadelo?”.
Quando eu ainda era muito pequeno (apesar de que ainda o sou na estatura física), sempre, ao olhar o céu estrelado durante a noite, ficava imaginando se tinha possibilidade de existir outro ser, idêntico a mim, tanto na personalidade, quanto no temperamento, mas que reagisse de outra forma diante das mesmas circunstâncias que eu enfrentei aqui.

Talvez em um dos muitos planetas, universos ou galáxias o meu “eu verdadeiro” estivesse vivendo.

Fico observando como minha mente viaja tão longe, e perscruta idéias tão absurdas!
Se bem que agora, crescido e adulto, posso dizer que, na realidade, nada é mais absurdo do que a própria vida (e se este termo será levado para o bom ou o mal sentido, vai de cada um). Tanto as ilusões nas quais acredita uma criança, quanto as inúmeras idiotices gigantescas e grosseiramente loucas que nós, adultos, defendemos são um completo absurdo.
O problema é que… Se estes meus pensamentos são verdadeiros, (e temo extremamente por isso): que tudo e todos são apenas sonho…
Ponho-me em um divã (em verdade coloco este “eu” no divã) e pergunto a mim mesmo: se tudo é um sonho (ou um pesadelo), é certo que em algum lugar eu, no caso o meu “eu verdadeiro” esteja dormindo, ou talvez em coma, ou ainda esteja passando por uma experiência de “quase-morte”.Caso seja assim… Todos os meus vinte e cinco anos, minhas lembranças boas e más, meus amigos e inimigos não passam de montagens abstratas e randômicas do cérebro deste “eu verdadeiro” sobre a realidade verdadeira (já que a minha realidade é o sonho) enfrentada por ele, e que no momento está dormindo.

Uma coisa pelo menos me consola se estas loucuras forem verdade: posso confiar que nada deste sonho foi inventado, apenas modificado sem uma ordem prévia.

É complicado explicar isso pra você, pois eu nem sei quem você é e como está reagindo a esta carta. No entanto, eu escolhi você. Vai que eu tenha morrido e você esta lendo esta carta por que o destino quer que você me ajude a encontrar a luz? (…) Estou brincando, seu idiota!
Minhas pálpebras não se unem, e quando, vez por outra, isso acontece, logo os pulmões gritam e perdem o ar. Quando o pulmão está tranqüilo, o coração entra na era contemporânea musical, e sai do ritmo, sai do compasso, quebra o padrão. Vou me esvaindo, caindo em nenhuma direção.

Pense bem: como é que os homens podem afirmar que em um ponto determinado da Terra é o Norte, e em outro é o Sul (que uma parte é o alto, e outro é o baixo) se a Terra é redonda, e a uma circunferência não se encontra lado algum? E ainda: Como eles podem ter certeza que o Norte é para cima, se não sabemos onde é o teto do Universo? É exatamente por este motivo que eu caio indo pra lugar nenhum, por que eu não sei qual é o lugar de algo, ou se há mesmo um lugar!
Você está me compreendendo? (…) Não, né?
Bom, minha cabeça está estourando, não por estas questões complicadas, mas por sono mesmo. Estou com medo de dormir! E se na verdade o meu “eu verdadeiro” é quem está dormindo, e em seu sonho eu aqui estou sentindo sono só por que no sonho dele ele quer que seja desta forma? Concluo que todas as minhas necessidades não passam puramente de um sonho, e por isso são irreais. Posso, então, ficar sem dormir? Certamente que não, pois se eu agir assim vou adoecer. E adoecer também é um sonho! E morrer? Morrer? Morrer também é um sonho, oras! Só que se eu morrer no sonho do meu “eu verdadeiro”, nem por isso meu “eu verdadeiro” terá deixado de viver! Então ele tornará a me trazer à vida (mesmo que esta também seja um sonho) para me fazer viver novamente todas estas maravilhas (no pior sentido da palavra).

Apesar de não ter certeza de tudo (o que é muito anormal) disto eu não duvido: em algum lugar, sonhando ou não, eu, ou o meu “eu verdadeiro” estou (á) vivo.

Isso não muda nada. Não me afeta em nada.

Hã? Se afeta meu “eu verdadeiro”? Aí eu não sei. Você teria que perguntar para ele!

-Pode falar… Sim… Entendo…

Pois, que seja… Se tudo isso for realidade… A conclusão pode seguir dois caminhos,

primeira: eu estou realmente sem nada para fazer de proveitoso. Ou,

segundo: Eu estou realmente lesado e desequilibrado.

Mas o que importa? Eu duvido que exista alguém no mundo, vivo ou não, que possa afirmar alguma coisa acerca desta vida de interrogações.

Então… Qualquer tese, qualquer hipótese e teoria devem ser consideradas dignas de algum aprofundamento, inclusive esta minha tese absurda!

Tchau!
Daniel Vieira de Carvalho
09/04/2008

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Resenha do livro: Genealogia da Moral. Nietzsche, Fredrich. Col. Grandes Obras do Pensamento Universal – n°20. Ed. Escala. SP – SP.--

Em quais condições o homem inventou os juízos de valor expressos nas palavras bem e mal e que valor possuem tais juízos? Estimularam ou barraram o desenvolvimento até hoje? São signos de indigência, de empobrecimento, de degeneração da vida? Estas são as perguntas que norteiam todo livro deste pensador, considerado como um dos mestres das suspeitas, acompanhado por Freud e Marx.
Todos os conceitos são construídos socialmente num processo histórico. Sendo desta forma, Nietzsche procura em quais lugares históricos do pensamento da humanidade a moral e ética nasceram. Analisa a criação de conceitos fundamentais para a eticidade atual dentro do contexto em que foram criados.
A noção de conceitos criados humanamente é já, em si mesma, uma crítica à filosofia platônico-socrática, a qual ensina que os conceitos e idéias não podem pertencer ao mundo sensível, posto que os sentidos são enganosos, e por isso ficam “flutuando” no mundo das idéias...
Nietzsche não está preocupado em descobrir se foi alguma divindade que ordenou ou não quais preceitos morais deverá seguir a humanidade, pois já chegou à conclusão de que os preceitos morais dizem respeito aos homens e mulheres apenas, logo não são transcendentes, porém, imanentes à natureza.
O livro se divide em tratados, a saber:
1. A origem de “bem e mal” e “bom e mau”;
2. Falta, má consciência e fenômenos;
3. O que significam ideais ascéticos?

Não há como negar que Nietzsche seja polêmico, dada a forma como ele escreve seus textos, que sempre estão acompanhados de uma boa “pitada” de crítica apimentada. Entretanto, não se pode desprezar o pensamento de uma pessoa só por contrariar o pensamento de uma maioria, pois nem sempre a maioria fala a verdade. Em verdade, temos grandes exemplos de grandes maiorias cometendo graves equívocos.
Escreve em forma de aforismos, que segundo o próprio Nietzsche, requer uma arte de interpretar, isto é, aforismos são pedras a serem lapidadas com calma. Para compreender bem seus aforismos é preciso ser quase vaca, é preciso ruminar.
No primeiro tratado, o filósofo separa moral em duas espécies: a moral de escravos e a moral de senhores.
Ele entende por nobre aquele em quem há uma afirmação positiva de si-mesmo, aqueles que eram os dominadores, os poderosos, os senhores; nobre é aquele que age positivamente na construção de seu si-mesmo por meio de si-mesmo. Difere-se do ressentido na medida em que para sentir-se feliz e bom precisa partir de si mesmo para tal, não de outrem.
O ressentido, por sua vez, é aquele que para construir sua felicidade, precisa comparar-se a um outro que lhe é diferente, um não-mesmo (um que não seja si-mesmo); este outro a quem se compara lhe é superior. Desta comparação nasce a inversão de valor “bom” e “mau”: “Bom sou eu, que sou inferior ao nobre (aquele que age) e mau é o nobre que, por ser superior a mim, me inferioriza”. Note-se que o ressentido sofre nesta comparação que ele mesmo faz, sente-se retraído, ofende-se. Ao comparar-se culpa o nobre (que lhe é superior) como causador de sua inferioridade. O ressentido, portanto, é aquele que sofre uma ação, e apenas por meio desta ação sofrida é que age, isto é, reage.
Essa moral ressentida é a moral de escravos que cria valores negativos em relação ao outro e ao próprio sujeito ressentido.
O sim que o nobre diz, diz a si-mesmo; o não que o fraco (ressentido) diz, não diz a si-mesmo, mas a um que não é si-mesmo, a um não-mesmo, negativiza o superior e o diferente de si. É exatamente sob este aspecto que surge o niilismo, que nada mais é do que todo este processo do ressentimento em negar, em dizer não à vida, à vontade de potência que é inerente à vida e à natureza.
No segundo tratado, o autor descreve a origem da má consciência, que é exposta como os instintos reprimidos que não se exteriorizaram e então se voltam para dentro, contra o homem mesmo que possui esses instintos; e da noção de dívida, proveniente das relações entre credor e devedor, é que surge a idéia de culpa.
No último tratado, sobre o ideal ascético, o filósofo batalha contra os negadores compulsivos, ou seja, aqueles que negam a vida, a natureza, os princípios básicos de vida.
Para resumir de forma simples, porém, contundente o que significam os ideais ascéticos para este homem, que eu considero, um dos mais ousados filósofos, podemos usar uma frase do próprio livro:
“O ideal ascético tem sua origem no instinto de proteção e de salvação própria a uma vida em degenerescência.”
Há muito o que se aprofundar nesta pequena frase e podemos seguir os mesmos caminhos de Nietzsche para entende-la.
O ideal ascético professa, direta ou indiretamente (mais indiretamente do que diretamente – os leitores de Nietzsche entenderão bem se eu falar em becos, valados e lugares escuros), que a vida não é um fim em si mesmo, porém apenas um meio para se chegar a uma outra vida que estaria no além. Explicando de outra forma, a vida é enxergada como uma ponte, um teste, uma passagem... A vida ascética é vida post-mortem.
Nas palavras de Friedrich:
“Um modo monstruoso de apreciar a vida não é um caso excepcional na história humana; constitui um dos estados, de fato, dos mais gerais e mais duradouros”.
Este ideal, portanto, foi visto pela sociedade como o único ideal possível de ser vivido. Não houve nenhum outro ideal que lhe servisse de oposição (pelo menos os que tentaram não conseguiram).
Nietzsche também critica os cientistas modernos como aqueles que possuem em seu interior a força propulsora do ideal ascético, pois acreditam ainda na existência da verdade, são seus defensores.
A gênese do ideal ascético se encontra justamente no ponto em que o homem sentiu necessidade de dar sentido para o sofrimento, como vemos:
“O homem, o animal mais corajoso e mais acostumado ao sofrimento não diz não ao sofrimento em si; ele quer, ele até o procura, supondo que lhe seja indicado, um sentido de que seja portador, um para além do sofrimento. É o vazio de sentido do sofrimento, não o sofrimento, que constituía a maldição que pesava sobre a humanidade até hoje – e o ideal ascético lhe oferecia um sentido!”
Traduzamos isso: Contra a falta de sentido, contra a falta de certeza, contra a natureza da mudança, presente na vida, nasce o asceticismo, dando um sentido ao “por quê” do sofrimento, retirando do homem o perigo do niilismo. Entretanto, as conseqüências são bem piores do que se imaginava, criou-se um homem ressentido em relação à vida... Poderia parecer melo-dramático, mas podemos usar até a palavra mágoa neste contexto. Esta mágoa, porém, é reativa, pois se trata de estar magoado profundamente com a vida, de tal maneira que a ação do homem agora converge para nega-la, e, tendo reagido assim, construir todo um ideal pós-morte, onde exista uma outra vida, mais digna, mais aceitável e sem... Sofrimento!
Concluindo a resenha, sinto necessidade de acender uma lamparina nesta escuridão e trazer para mim os olhares de todos os que criticam Nietzsche (os que leram comentários sobre ele e não suas obras mesmo). Por meio do perspectivismo proposto pelo autor, devemos levar em consideração todos os pontos de vista... Entretanto, quais seriam os pontos de vista mais aceitáveis? Respondo: Aqueles que não denigrem, nem pretendem destruir a beleza da natureza e da vida no aqui e no agora!

primeiras dúvidas (no começo da filosofia...)

29.07.2008

Por um bom tempo fiquei entre a cruz da fé e a espada da racionalidade extrema, bambeando e andando na linha de divisão entre ambas.

Minhas dúvidas, que já eram consideráveis, aumentaram de tamanho e duplicaram em número, torturando-me com tal freqüência e furor que até o sono em mim se foi.

Eu sempre soube da existência de Deus[1], entretanto, minhas dúvidas foram – e ainda são – a respeito de como se fala sobre este Deus, de como se criam sistemas morais severos em nome dele.[2]

Percebi que, de fato, não é possível conhecer a Deus, posto que não é corpo, não participa do tempo e, sendo espírito (como supomos[3]), não pode estar em lugar algum, pois estar em algum lugar (ocupar espaço) é condição de corpos materiais apenas. Como, então, afirmar que ele esteja acima ou embaixo? (...)

07.12.2008

Creio poder acrescentar mais argumentos ao escrito anterior e bem mais suscetíveis de acerto.

Neste pouco tempo ocorrido desde 29 de julho até hoje muitas coisas mudaram, p’ra não dizer tudo, inclusive Deus[4]! Sei que isso pode soar estranho aos ouvidos cristãos, mas... Por que não? Tudo o que dissermos sobre Deus serão sempre meras conjecturas, nada que seja concreto ou comprovável!

Quem foi que afirmou a imobilidade e imutabilidade de Deus? Homens? Platão, Aristóteles, Parmênides, (se bem que estes filósofos falaram do Ser, não de Deus)? Homens inspirados por Deus? E como se pode afirmar a veracidade de uma inspiração divina no homem, cujos sentidos nunca dão conta de dizer aquilo que é!? Apelando à Bíblia? Sinceramente, isso não basta!

Se assumirmos a premissa de que Deus seja Eterno e Infinito, não podemos negar como conseqüência desta afirmação que homens ou animais finitos e mortais (não-eternos) jamais poderão ter conhecimento deste Deus, abarcar o Todo que este implica!

Por questões de linguagem mesmo, partindo desta linha de pensamento, não podemos sequer dizê-lo.

As palavras são conceitos, que são generalizações, que são meios de delimitar, definir, traçar uma linha em torno de um determinado objeto ou coisa para conhecê-lo na consciência. Continuando nesta via crédula, temos que concordar que é impossível delimitar, medir ou definir Deus. Se alguém, mesmo na consciência, disser que Deus é Justo, por exemplo, está delimitando algo acerca de Deus, proferindo uma definição (do latim: de finire = dar um fim), o que é um absurdo. Qualquer adjetivo usado será uma forma de definição.

Lendo a Bíblia, no livro de Êxodo, encontramos algo interessante que, supostamente[5], Deus disse a Moisés, quando este lhe perguntava seu nome: “EU SOU O QUE SOU”. Sinceramente? Estas seriam as palavras certas para tentar dizer alguma coisa mínima sobre Deus, pois diz algo e nada ao mesmo tempo. Deus diz que é. E se alguém lhe perguntasse o que ele é, responderia, dizendo que é aquilo que é! Não há explicação, pois explicar seria o mesmo que delimitar! Não há como predicar este sujeito que é.[6]

Se quisermos extremar esta constatação, podemos pensar em Deus como sendo o Nada, aquilo que é indizível, improferível e impensável.[7] Para uma consciência limitada como a nossa, SER O QUE SE É é nada mais do que nada. É algo sem sentido. Das coisas (entes) podemos dizer se é uma ou outra coisa: eu sou um homem, isto é uma cadeira, aquilo é um carro. Aquilo é o quê? É um carro! De Deus, porém, não se pode acrescentar nada mais do que a sua qualidade de ser-o-que-é.

Dada esta grande impossibilidade (grande e inegável para qualquer cristão), não podemos fazer vista grossa a este fato! Este ato seria uma completa ignorância e imbecilidade e não uma atitude de fé.[8]

E, falando em fé, é bom frisar que os argumentos que estamos usando são de pessoas que pretendem afirmar a existência e a divindade do Sagrado. Podemos e temos tantos e bem fundamentados argumentos que falam sobre sua inexistência... Que devem ser considerados também. Prefiro desconstruir a imagem deste Deus deturpado à imagem e semelhança do homem com os próprios argumentos cristãos sobre ele.[9]

Tenho absoluta convicção de que o que estou escrevendo e pensando não irá agradar a todos. Mas... Que importa? Nietzsche também não agradou a todos, mas conseguiu influenciar a muitos, dos quais eu sou um deles.

Deixando de lado minhas próprias convicções (muito escassas pelo visto) é preciso olhar este assunto com um pouco mais de atenção. Ou, do contrário, continuaremos com este pensamento ridículo e imperdoável, niilista e desumanizante...

Pecado é não olhar para todos os valores caducos, princípios e crenças passadas para analisá-las mais cuidadosamente e, caso seja preciso, abandoná-las de uma vez por todas.

É uma atitude nobre e grandiosa, mas não simples. Só um espírito livre e humano conseguirá tal façanha.

A voz de Zaratustra continua ecoando nas nossas cidades![10]

Daniel Vieira de Carvalho

OBS: As notas de rodapé acrescentei no dia 26 de maio de 2009, pois relendo o texto senti grande necessidade de comentá-los... Pensei que seria desonesto se eu simplesmente “deletasse” este texto.



[1] Esta minha afirmação fora feita cedo demais. Hoje eu já não sei nada sobre este nada, pois sendo nada não necessita ser pensado, questionado ou dito. Deus é algo vago demais para ser considerado até mesmo como hipótese.

[2] Até aqui eu realmente acreditava na existência desse Deus e, desta forma, procurei alguma maneira de justificar minha crítica aos livros sagrados que dizem aquilo que é impossível dizer, ou seja, predicam um Ser, que se considera superior e infinito. Predicar Deus seria para mim, naquela época, algo inaceitável e impossível...

[3]Supomos” está relacionado apenas aos que acreditam nisso.

[4] Reconheço aqui a influência hegeliana na concepção do espírito da história que está em contínuo movimento dialético. Aceitaria a possibilidade de Deus somente se fosse um que não fosse absoluto, imóvel. Um deus que dança...

[5] Hoje eu sei o quanto de falsidade há nestas suposições!

[6] Princípio de não-contradição da metafísica de Aristóteles: Uma coisa não pode ser e não-ser ao mesmo tempo e sob o mesmo contexto. É justamente aqui que encontro uma das principais mudanças no meu pensamento, pois agora eu posso dizer com mais certeza que é impossível que a realidade esteja embebida apenas de dualismos. Dizer o que é e o que não é torna-se complexo demais. E devemos muito a Platão, Sócrates, estóicos e cristãos pelas catástrofes que esta vontade de verdade nos trouxe.

[7] Note-se bem que o que eu pretendia dizer com este Nada: era que Deus, por ser infinito, não pode ser pronunciado, logo torna-se nada na linguagem e no pensamento das criaturas finitas. Entretanto, já me livrei desta praga virulenta. Entendo este Nada (Deus) como sendo a inexistência mesmo, o nada apenas no seu sentido mais literal... Apenas nada!

[8] Me dou os parabéns por ter pensado de tal forma com a ingenuidade filosófica de antes. Se me libertei da doença de crer, devo isto a meus questionamentos, os quais foram excluindo do menor para o maior tudo aquilo que me era prejudicial.

[9] Como eu sou mal! Por meio de argumentos bíblicamente cristãos... Sou muito pecador!

[10] O final do texto está todo em itálico, pois reconheço ser um texto a parte que escrevi em data diferente do anterior, porém me falha a memória.