quarta-feira, 3 de abril de 2013

A Filosofia, a Práxis e a Baderna


E no princípio disse Marx:

"Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo."

E sem considerar o contexto em que Marx escreve tal tese (11° Tese sobre Feurbach), vejo como é importante pensarmos um pouco mais sobre a conclamação repetitiva que vem sendo feita por parte de vários movimentos, grupos, ongs e diversas classes de profissionais sobre o dever de todo o cidadão em agir.
Dizem que a voz do povo é a voz de Deus...
Eu sempre desconfiei disso, e permaneço a desconfiar de tudo quanto me soa descarado demais, revelado demais, pois também dizem que nem tudo quanto reluz é ouro!

E como bom leitor de Nietzsche e Schopenhauer, desconfio dos provérbios e máximas da cultura moderna! (Às vezes suspeito até da própria desconfiança... Oras, um amante do saber não desiste enquanto não encontrar o "ponto G", o ápice orgasmático do conhecimento! Sim, e quanto prazer, a despeito de toda a dor contínua que sofro, posso encontrar na luz de sófos)

Desconfio também, portanto, que nunca vimos tantas barbáries ocorrendo na história do ocidente e com tanta veemência quanto por meio dessa afirmação da práxis, deste imperativo categórico kantiano deturpado pela voz das massas sedentas por vingança... ops, quer dizer, justiça!

Digo isto, e explico, porque o equívoco ocorreu exatamente na interpretação do imperativo de sair da teoria infrutífera e de produzir frutos concretos para evolução da sociedade como um todo.

Neste aspecto estrito é que eu penso ser importantíssimo tomarmos certos cuidados e não repetirmos a história. Como diria a hipótese comunista:

"A história surge primeiro como tragédia e depois como farsa". (indico aqui um livro de Slavoj Zizek , que tem como título tal hipótese) 


Diante de um bombardeio frenético de 'informações' (que é bem diverso de 'conhecimento') de corrupção, de notícias bombásticas do facebook (percebam quão importante é isso...), mobilizações e protestos em vários lugares do mundo, crise econômica mundial, ameaça e rumores de guerra e somando a isto a característica dissociativa e esquizofrênica própria do mal-estar da modernidade (do qual nos alerta Freud), as ações, ou seja, a prática acaba se pautando por estes estímulos ao invés de procurar compreender qual é realmente o cerne, o eixo crucial de onde surge tamanha problemática.

As relações possíveis, os intercambiamentos existentes e subjacentes a este borbulhar de fenômenos, contudo, não são terríveis quanto a própria verdade oculta na podridão de backstage, nas entrelinhas do jornalismo popularesco e nas estatísticas a priori apresentadas como fatos incontestáveis, pois um bom filósofo, um filósofo de fato, consegue compreender e assimilar todas essas informações e ver o que está além desse murmúrio do cotidiano, dessa balbúrdia da sociedade tanatológica (reitero aqui que filósofo é o que ama o sófos, não um diploma e um lugar ao sol na academia).

A filosofia autêntica não deve se dar ao luxo de seguir tal fluxo irrefletido e puramente instintivo. Receio que, por mais difícil que seja, devemos resistir a reduzir o exercício filosófico (e aqui deixo bem claro que me refiro ao papel da filosofia, não da pedagogia) a uma práxis que tem por fundamento a ação em detrimento do próprio pensar.

A sociedade atual padece exatamente pela doença do pensamento, isto é, por agir sem pensar, ou (como alguém possa sugerir) por acreditar realmente que a filosofia faça parte de um conglomerado de saberes que nada tem a ver com a Realidade, com o Concreto, com o mundo mesmo. É pontualmente o contrário. A história da filosofia (e, portanto, a história do ocidente) nos mostra de modo inequívoco que todas as grandes revoluções históricas importantes para a evolução humana devem grande parte de mérito à filosofia.

O discurso da ação urgente, do tipo que Marx e Engels promoveram ao conclamar os trabalhadores para o destronamento dos senhores burgueses e da instauração das mazelas do capital dentro da produção social, é bem recente (e que também foi difundida cá na América Latina pela teologia da libertação - o que explica a mentalidade da Igreja Católica ser tão preocupada com os movimentos sociais [o que não torna os movimentos sociais inválidos]).

{Mais uma vez, faz-se necessário aos estúpidos que se abram os parênteses, as chaves, as aspas e todos os recursos disponíveis para explicar que ao se interpretar um texto deve-se procurar sempre discernir o que exatamente o autor gostaria que o leitor entendesse e não o que o leitor, em seu orgulhoso eruditismo gostaria de entender (há uma diferença bem grande nisso) - O que Marx realmente quis dizer na tese citada no início deste texto? }

Cabe a nós, então, distinguir onde devemos iniciar a prática. De um outro foco, precisamos estar realmente certos acerca de qual tipo de prática iremos propor. Ainda de uma outra maneira, em quais pontos nosso discurso sobre a prática é realmente filosófica ou se estamos ainda, como diria Nietzsche, fazendo filosofia para o povo...

Um comentário:

  1. Querido Daniel

    Li com muita atenção seu texto, A Filosofia, a Práxis e a Baderna.
    Creio que seja muito importante aprofundar essas ideias, seu texto é forte e garante uma reflexão sobre a aridez do processo social da atualidade. É penoso ler, mas é fundamental saber disso.

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