terça-feira, 23 de abril de 2013

O "problema" dos filósofos vivos...

O problema de fazer filosofia com pessoas vivas é que elas sempre estão a mudar de opinião!
Não me esqueço dessa frase, que na época do meu 'espanto' filosófico se iniciou, pronunciada pela estimada professora Adriana Cintra, numa aula de produção de textos (as mais divertidas que eu já tive).

Sempre tenho um dia que eu separo para revisitar meus textos, minhas anotações, que incluem informações sobre o clima do dia, a sensação que eu experimentava, o horário e algumas coisas que dizem respeito à minha recreação solitariamente feliz.

Enquanto revisito as pessoas, as memórias, as cenas (boas, ruins, neutras, etc), as músicas, as partituras, os sons, cheiros... Tenho certeza de que todos nós vivenciamos estes momentos de nostalgia gostosa. Uma brisa que faz recordar um dia no campo, ou um perfume que nos obriga naturalmente a viajar na eternidade de um amor que já não dura mais, ou mesmo um tique-taquear de relógio que aponta a finitude de todos os que nós amamos (que nos sussurra levemente nossa própria morte - que para um filósofo é o auge de toda a sua vida... sua preparação contínua).

O aparente problema de fazer filosofia viva é exatamente este! A filosofia viva não é cristalizada, não é estática, não está morta! Filosofar a partir de Heráclito é fácil, neste sentido, pois ele está morto, não pode mais (pelo menos não nestas instâncias...) mudar aquilo que ele disse na concretude de sua vida. O difícil é fazer filosofia com o Devir do Movimento!

Nós às vezes nos ocupamos tanto em olhar para o passado que esquecemos da configuração exata da vida: o presente! Este ínfimo e fugaz instante onde o Total perpassa no abrir e fechar de olhos.
Esta pequena janela que é eterna enquanto dura... E que é rarefeita como a morte depois que passa.

Se déssemos a devida atenção para este ponto em que, no grande anel do Eterno Retorno, acontece todo o tempo, esta maravilhosa e (a nossos olhos) absurda ignorância do entendimento do Real... Se nos fosse possível manter os olhos abertos fora da linearidade do tempo embrutecido e fabril... E se ao invés de olharmos no plano cartesiano de X e Y, fizéssemos um esforço a mais para ir além, enxergar e tocar, de fato, o amor fati, estender a visão fora (ou para dentro)... Então poderíamos ser capazes de transvalorar, de fazer a Vida acontecer, de matar a morte!

Não perco as esperanças nesse aspecto inaudito da filosofia, não a filosofia morta, é claro. Kant realmente tinha razão ao dizer que não é possível ensinar a filosofar. E daí que, na Filosofia, um diploma conquistado não seja, em verdade, o mesmo que ser filósofo. A academia desaprendeu o que é filosofar! Filosofar é viver a Filosofia, é o Paradoxo da Construção e Desconstrução do Mundo. É o que Hegel dizia sabiamente: "A Filosofia surge na ruína de um mundo real"

E - mantendo o respeito e o mérito a estes grandes espíritos - preciso acrescentar que o mundo real que precisa ruir é também todo o mundo real da filosofia morta do passado! Isso não significa matar a filosofia antiga e negá-la, muito pelo contrário, é a partir de toda esta ruína ter a humildade de reconhecer que o Real dos filósofos antigos não é o Real que o Presente nos apresenta: precisamos superar o medo dos fantasmas das grandes mansões abandonadas e construir novos lugares, novos espaços, tecer novas redes, assumir as novas conexões, ampliar a tenda...

Felizmente ou infelizmente... Estar à frente (ou pensar "fora da caixa" como diz o jargão) é quase - note-se bem - é quase o mesmo que estar sozinho. Alguém precisa enfiar a mão na lama, ou como Descartes diria, alguém precisa trilhar um novo caminho onde só se vê mato selvagem, caso contrário continuaremos andando em fila nos mesmos passos de outrora.

É válido seguir o caminho já traçado, mas provavelmente a aventura de dar início a um caminho diferente, mais amplo, com espaço para que possamos andar, correr, dançar... Bom, sinto que precisamos de ar puro.
E apesar de árduo trabalho, e não obstante todos os animais peçonhentos que iremos encontrar, ou das paisagens mais encantadoras que poderemos experimentar, suspeito que desejar algo tão grande também não é um erro!

Afinal, ainda estamos vivos!

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