18.06.2013
A verdade
dos meus olhos
Por tanto tempo eu me dediquei aos livros,
aos meus pensamentos escritos no papel, nas linhas e curvas das letras,
assimilando as curvas de cada montanha como lençol solto no ar... Que acabei
por despreocupar-me com a saúde dos meus olhos. Ler à luz de velas, como se
estivesse na época das catedrais, carruagens passando lá nas ruas estreitas com
o odor fétido de uma sociedade sem encanamento e aquele fervilhar de galinhas,
carneiros e porcos exalando toda sua medievalidade. Cá fiquei eu, tão distante
da balbúrdia camponesa, dos problemas menores e das preocupações cotidianas,
que, por mais fundamentais que fossem, me pareciam sempre minúsculas demais
para serem consideradas em minhas altas apreciações estéticas ou filosóficas.
Eis aqui, diante de mim, o meu corpo a reclamar que por mais longe que eu possa
ir, que por mais profundo que seja o mar, ele é minha sombra por todo o tempo
em que aqui me encontrar... O meu corpo gritou de tal forma que não pude mais
me dar ao luxo da indiferença, fui obrigado a colocar os pés no chão, como
aquele anjo apocalíptico que tem um pé no mar, outro na terra e a cabeça nas
alturas...
Eu me sentia muito poderoso em minha altivez
e ufania utópica, e vejam só como o simples é eficaz. O orgulho precede a queda,
oh, rei de Tiro... Pensava piamente (e pensar é uma das várias formas de se
acreditar) que o mal, todo tipo de mal, pudesse ser destruído com grandes
invocações, com atos espetaculares de amor ensandecido, mas tudo isso não passa
de encenação simbólica de uma verdade que é muito mais ínfima, pequena, como um
grão de mostarda. É o simples que tem por função nobre afastar o mal do mundo,
é o comum, o cotidiano que nos protege.
Mas fiquei entre a cruz e o punhal... como
eu poderia me permitir fazer parte desta roda tenebrosa do frívolo, do
corriqueiro? Eu que já fui tão longe, explorando planetas e galáxias, tendo
visto toda a imensidão do universo, sabendo da incrível beleza da infinitude do
Real... Descobridor das Américas... Oh! Não, não posso participar desse teatro,
eu pensava... E quem disse que isso é um teatro estava muito equivocado, porque
o sofrimento não é uma peça, nem é a dor uma interpretação... o sofrimento dói
de verdade e a dor atordoa até mesmo o grande Aquiles... Não, isso não é um
jogo, muito menos uma guerra. Eu, de fato, não sei exatamente o que é a vida,
mas tenho plena convicção de que só iremos conseguir rotular vida, quando
conseguirmos enlatar a morte... A ilusão moderna nos faz acreditar que a morte
virou sardinha, mas a nua e crua fealdade do verdadeiro nos aponta o terror que
a todos penetra: somos finitos morreremos.
E por mais que eu deseje os grandes arcanos,
lançar as colunas sétimas de um tabernáculo à imagem e semelhança de Salomão, é
crucial, antes mesmo de projetar a arquitetura de um sonho, lançar a pedra
fundamental. Nenhum grande prédio resistirá se não possuir um seixo bem no
centro estrutural de sua base... Casa na areia é levada pelas ondas!
O simples não é simplório, o simples esconde
a riqueza do mundo inteiro, como uma pérola que está escondida numa concha...
uma concha que só um mergulhador profissional poderia descobrir. Todos os
peixes passam pela concha, mas nunca prestaram atenção...
Sempre enxerguei o lado ruim das coisas
boas, mas agora estou equilibrando a balança para ver quanto de bom há no ruim,
precisamente quanto de força há no péssimo, para forjar a transmutação do
chumbo em ouro e, como sempre, eu quis desde o início transmutar esterco... No
alto da montanha russa não dá mais pra fugir (claro, porque se fosse montanha
brasileira dá um jeitinho e se joga do carrinho), e geralmente nos buracos mais
fundos existe petróleo, de qualquer forma não é uma viagem em vão.
Meus olhos doem, minha cabeça pulsa, e
começo a degustar beleza do mundo sem os olhos... Quantas matizes, quantas
nuances sonoras, que riqueza é o mundo ao meu redor. Na minha imaginação eu sou
livre, posso derramar um pinguinho de tinta no papel e fazer um guarda chuva
com o chifre de um mamute, e todo o tempo eu rio de mim mesmo, rio com prazer
por sempre retornar à minha criança interior, zombeteira, de olhar curioso e
sentindo o vento acariciar meu rosto enquanto eu estou sentado no alto de
montanha, sozinho, feliz por estar perto de tantas árvores, grama, formigas,
cachorros, lagos e um horizonte que aguarda ansiosamente o retorno de seu maior
amor, aquele que no finzinho de tarde se revela de escarlate e sangue de
fertilidade.
Minhas lágrimas correm, não por causa da dor
apenas, mas porque estou impedido de dialogar, por meio do livro, com os
grandes espíritos mortos, triste por não poder ficar olhando as estrela
magníficas da noite com a lua adornada de um dourado pálido e obscuro como se
quisesse vir me beijar lentamente ao som enebriante das gotas de orvalho que
soam como um abraço materno e de ter de abster (não de carne, nem de gordura)
mas de contemplar tudo quanto eu vejo de belo, uma lesminha numa árvore que
pleiteia com imensa coragem em sua escalada pela parede, na aranha que faz sua
teia dentro dos átrios internos do templo sem ser autorizado, ou de me
emocionar com o cheiro da terra molhada e sentir que as plantas estão dançando
com todas as criaturas, a dança da conexão total de todos os tem capacidade de
sofrer (amar é a outra face desta mesma moeda).
É passageiro, tudo passa, alegria, tristeza,
raiva, amor, e tudo volta ao início. Os ciclos parecem ser infinitos, um eterno
retornar, por isso é que tudo flui, coagula e se dissolve... ad absurdum!
O alma minha, porque estás tão abatida, não
sabes que somos livres? Não temos mais bolha alguma a nos prender, podemos voar
ou pegar carona num cometa e viajar pra qualquer outro lugar do universo inteiro,
já fizemos isso uma vez, teremos outras, sejamos firmes como o osso e
resistentes como os cabelos que, no crânio, demoram anos para apodrecer.
Estou escrevendo pelo notebook, com os olhos
vendados, porque a luz está machucando meus olhos, literalmente; 4 dias sem
poder sequer ler uma poesia, sem sequer poder cristalizar um pensamento, uma
musica, porque tem que usar este tampão. Eu quero ser normal de novo (que já
não era tão normal assim, confesso!), mas não é viável, já estou mais pro meio
da caminhada, e seu voltar, então teria completado com as mesmas pernadas minha
chegada do outro lado, estou preferindo ser producente... Só o que resta agora
é descer as montanhas e fazer uma exploração e procurar quem quer nos ouvir,
caso contrário, eu irei me afogar no simples, um dia eu conseguirei me fundir
aos simples, eu serei ensinado por eles, e eu os ajudarei com o que estiver ao
meu alcance.
Ler livros é muito gostoso, escrever é o meu
dom, mais que música e filosofia, faz parte de mim desde que tinha 2 anos, é
como se eu estivesse cuidando de um filho, e de repente tiram eles de mim e os
levam para a casa da tia chata que vai passar as férias em Can-Cun...!
Somos frágeis, corrompidos no corpo,
carregamos um cadáver o tempo todo, o descanso à sete palmos que merecemos só
pode ocorrer depois da foice que a morte afiou aqui nos fundos de minha casa...
Ela me disse que começaria por vizinhos, depois familares e depois amigos, como
eu emprestei a ela o instrumento para afiar... Então vou ter certos
privilégios, claro.
Sei que o universo atingiu meu calcanhar “de
Aquiles”, mas sei que é o meu próprio corpo quem me convida a dar atenção pro
simples, pois só aí é que se semeia grandes homens, heróis e cavaleiros.
Texto lindo Daniel! Isso mostra o quanto podemos crescer e evoluir voltando a olhar dentro de nós, sobre as coisas que o espírito ávido pela grandeza considera ínfimas e desnecessárias. Acredito que o Micro é tão importante quanto o macro, faz parte do equilíbrio...
ResponderExcluirSaudades meu caro!