terça-feira, 29 de dezembro de 2009

primeiras dúvidas (no começo da filosofia...)

29.07.2008

Por um bom tempo fiquei entre a cruz da fé e a espada da racionalidade extrema, bambeando e andando na linha de divisão entre ambas.

Minhas dúvidas, que já eram consideráveis, aumentaram de tamanho e duplicaram em número, torturando-me com tal freqüência e furor que até o sono em mim se foi.

Eu sempre soube da existência de Deus[1], entretanto, minhas dúvidas foram – e ainda são – a respeito de como se fala sobre este Deus, de como se criam sistemas morais severos em nome dele.[2]

Percebi que, de fato, não é possível conhecer a Deus, posto que não é corpo, não participa do tempo e, sendo espírito (como supomos[3]), não pode estar em lugar algum, pois estar em algum lugar (ocupar espaço) é condição de corpos materiais apenas. Como, então, afirmar que ele esteja acima ou embaixo? (...)

07.12.2008

Creio poder acrescentar mais argumentos ao escrito anterior e bem mais suscetíveis de acerto.

Neste pouco tempo ocorrido desde 29 de julho até hoje muitas coisas mudaram, p’ra não dizer tudo, inclusive Deus[4]! Sei que isso pode soar estranho aos ouvidos cristãos, mas... Por que não? Tudo o que dissermos sobre Deus serão sempre meras conjecturas, nada que seja concreto ou comprovável!

Quem foi que afirmou a imobilidade e imutabilidade de Deus? Homens? Platão, Aristóteles, Parmênides, (se bem que estes filósofos falaram do Ser, não de Deus)? Homens inspirados por Deus? E como se pode afirmar a veracidade de uma inspiração divina no homem, cujos sentidos nunca dão conta de dizer aquilo que é!? Apelando à Bíblia? Sinceramente, isso não basta!

Se assumirmos a premissa de que Deus seja Eterno e Infinito, não podemos negar como conseqüência desta afirmação que homens ou animais finitos e mortais (não-eternos) jamais poderão ter conhecimento deste Deus, abarcar o Todo que este implica!

Por questões de linguagem mesmo, partindo desta linha de pensamento, não podemos sequer dizê-lo.

As palavras são conceitos, que são generalizações, que são meios de delimitar, definir, traçar uma linha em torno de um determinado objeto ou coisa para conhecê-lo na consciência. Continuando nesta via crédula, temos que concordar que é impossível delimitar, medir ou definir Deus. Se alguém, mesmo na consciência, disser que Deus é Justo, por exemplo, está delimitando algo acerca de Deus, proferindo uma definição (do latim: de finire = dar um fim), o que é um absurdo. Qualquer adjetivo usado será uma forma de definição.

Lendo a Bíblia, no livro de Êxodo, encontramos algo interessante que, supostamente[5], Deus disse a Moisés, quando este lhe perguntava seu nome: “EU SOU O QUE SOU”. Sinceramente? Estas seriam as palavras certas para tentar dizer alguma coisa mínima sobre Deus, pois diz algo e nada ao mesmo tempo. Deus diz que é. E se alguém lhe perguntasse o que ele é, responderia, dizendo que é aquilo que é! Não há explicação, pois explicar seria o mesmo que delimitar! Não há como predicar este sujeito que é.[6]

Se quisermos extremar esta constatação, podemos pensar em Deus como sendo o Nada, aquilo que é indizível, improferível e impensável.[7] Para uma consciência limitada como a nossa, SER O QUE SE É é nada mais do que nada. É algo sem sentido. Das coisas (entes) podemos dizer se é uma ou outra coisa: eu sou um homem, isto é uma cadeira, aquilo é um carro. Aquilo é o quê? É um carro! De Deus, porém, não se pode acrescentar nada mais do que a sua qualidade de ser-o-que-é.

Dada esta grande impossibilidade (grande e inegável para qualquer cristão), não podemos fazer vista grossa a este fato! Este ato seria uma completa ignorância e imbecilidade e não uma atitude de fé.[8]

E, falando em fé, é bom frisar que os argumentos que estamos usando são de pessoas que pretendem afirmar a existência e a divindade do Sagrado. Podemos e temos tantos e bem fundamentados argumentos que falam sobre sua inexistência... Que devem ser considerados também. Prefiro desconstruir a imagem deste Deus deturpado à imagem e semelhança do homem com os próprios argumentos cristãos sobre ele.[9]

Tenho absoluta convicção de que o que estou escrevendo e pensando não irá agradar a todos. Mas... Que importa? Nietzsche também não agradou a todos, mas conseguiu influenciar a muitos, dos quais eu sou um deles.

Deixando de lado minhas próprias convicções (muito escassas pelo visto) é preciso olhar este assunto com um pouco mais de atenção. Ou, do contrário, continuaremos com este pensamento ridículo e imperdoável, niilista e desumanizante...

Pecado é não olhar para todos os valores caducos, princípios e crenças passadas para analisá-las mais cuidadosamente e, caso seja preciso, abandoná-las de uma vez por todas.

É uma atitude nobre e grandiosa, mas não simples. Só um espírito livre e humano conseguirá tal façanha.

A voz de Zaratustra continua ecoando nas nossas cidades![10]

Daniel Vieira de Carvalho

OBS: As notas de rodapé acrescentei no dia 26 de maio de 2009, pois relendo o texto senti grande necessidade de comentá-los... Pensei que seria desonesto se eu simplesmente “deletasse” este texto.



[1] Esta minha afirmação fora feita cedo demais. Hoje eu já não sei nada sobre este nada, pois sendo nada não necessita ser pensado, questionado ou dito. Deus é algo vago demais para ser considerado até mesmo como hipótese.

[2] Até aqui eu realmente acreditava na existência desse Deus e, desta forma, procurei alguma maneira de justificar minha crítica aos livros sagrados que dizem aquilo que é impossível dizer, ou seja, predicam um Ser, que se considera superior e infinito. Predicar Deus seria para mim, naquela época, algo inaceitável e impossível...

[3]Supomos” está relacionado apenas aos que acreditam nisso.

[4] Reconheço aqui a influência hegeliana na concepção do espírito da história que está em contínuo movimento dialético. Aceitaria a possibilidade de Deus somente se fosse um que não fosse absoluto, imóvel. Um deus que dança...

[5] Hoje eu sei o quanto de falsidade há nestas suposições!

[6] Princípio de não-contradição da metafísica de Aristóteles: Uma coisa não pode ser e não-ser ao mesmo tempo e sob o mesmo contexto. É justamente aqui que encontro uma das principais mudanças no meu pensamento, pois agora eu posso dizer com mais certeza que é impossível que a realidade esteja embebida apenas de dualismos. Dizer o que é e o que não é torna-se complexo demais. E devemos muito a Platão, Sócrates, estóicos e cristãos pelas catástrofes que esta vontade de verdade nos trouxe.

[7] Note-se bem que o que eu pretendia dizer com este Nada: era que Deus, por ser infinito, não pode ser pronunciado, logo torna-se nada na linguagem e no pensamento das criaturas finitas. Entretanto, já me livrei desta praga virulenta. Entendo este Nada (Deus) como sendo a inexistência mesmo, o nada apenas no seu sentido mais literal... Apenas nada!

[8] Me dou os parabéns por ter pensado de tal forma com a ingenuidade filosófica de antes. Se me libertei da doença de crer, devo isto a meus questionamentos, os quais foram excluindo do menor para o maior tudo aquilo que me era prejudicial.

[9] Como eu sou mal! Por meio de argumentos bíblicamente cristãos... Sou muito pecador!

[10] O final do texto está todo em itálico, pois reconheço ser um texto a parte que escrevi em data diferente do anterior, porém me falha a memória.

2 comentários:

  1. Olá, Dani.

    Eu não poderia deixar de comentar este texto, mesmo porque vivemos essa mesma experiência e ao mesmo tempo, não é?
    Então, considero que, depois de muito refletir sobre isso, passar a vida tentando entender e explicar algo que está completamente fora de nosso alcance é uma tremenda perda de tempo, além de se tornar um fardo, porque jamais se deixa de ficar querendo unir os pontos para ver se a coisa toda faz algum sentido. Pois é: a coisa toda não faz nenhum sentido, tudo tende ao tédio, tudo tende à incoerência e não é o fato de se acreditar oui não em algo sobrenatural que vai mudar isso. A vida é assim!!!
    O que posso dizer é que os dias passam de forma mais tranquila desde que deixei de ficar perguntando para uma criatura mágica qual é o sentido da vida. Agora tento entender melhor o mundo com as ferramentas que me são tangíveis e assim vou poder obter sucesso ou não em minha busca com a notável diferença que farei por méritos próprios.

    Beijos

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  2. E, não sei se você já leu "o existencialismo é um humanismo"... No começo do texto ele diz que é preciso ir até as últimas consequências no que diz respeito a inexistência desse deus de valores absolutos... Se ele não existe, é preciso saber as consequencias todas desse problema!

    Talvez seja porque o homem não pode mais se apoiar em mais ninguém, e resta apenas a responsabilidade de suas próprias ações, resta-lhe apenas o si-mesmo jogado aí!

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Obrigado pelo comentário!