O acúmulo incerto, mais ou menos ordenado, mais ou menos
caótico, mais ou menos intenso ou mais ou menos doloroso de memórias fica
estampado no definhamento do rosto, no pestanejar dos olhos, na descoloração ou
na queda dos cabelos de um idoso.
O presente é a contínua manifestação de mortes: morre o
padeiro que era tio do pai do meu irmão, a conhecida antiga da família, o
coveiro que enterrou fulano de tal e o tal que enterrou uma faca naquele rapaz
que era filho da senhora que morava na rua de cima.
Não há ouvidos para ouvir, e o coração que vai envelhecendo
caminha a trilha de um silêncio abafado, mais ou menos reprimido ou mais ou
menos orgulhoso... Um silêncio incômodo parecido com uma mosca, mais ou menos
sorrateiro ou abrupto como a morte.
Ao encontrar alguém mais velho que eu, com mais de setenta,
oitenta anos, vejo sempre um lapso de faísca profunda que flui como uma pequena
nascente, mais ou menos igual à calmaria que borbulha nas montanhas solitárias
e distantes, mais ou menos indecifrável como uma estrela cadente ou como o sol
poente no horizonte...
Nada, entretanto, é tão certo quanto a sábia corrente de
sabedoria de vários anos, e luas, e estações, e virações do dia que sempre nos
revelam o eterno vir a ser de todas as coisas, mais ou menos violento, mais ou
menos pacífico sem jamais assimilar um ponto final; sem aceitar sequer alguma
origem...
É um movimento eterno do mais ou menos isso, mais ou menos
aquilo.
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