sábado, 8 de dezembro de 2012

Pensamento agonizante

Escrever antes de dormir tem sido meu antídoto de sanidade, sem o qual estaria totalmente abandonado à solidão do meu próprio pensamento, pois tem sido extremamente difícil encontrar pessoas que estejam dispostas a especular e refletir mais profundamente os grandes temas, a existência, a sociedade, o mundo, o ser humano e outras questões que se relacionam com coisas que estão para além do discutir se o vizinho do facebook postou alguma imagem de um cãozinho dando indiretas imbecis ou piadinhas tortas. Questões que tratem não apenas de temas do cotidiano, porque já estou farto de discutir elementos que em nada irão contribuir para um pensamento que seja capaz de gerar uma mudança grandiosa, a longo ou médio prazo (o cotidiano é um ponto de partida, precisamos ir além disso, caso contrário ficaremos patinando nessa mesmice ridícula e entediante!)

Não se trata de um mero idealismo ou utopia individual, mas de relações integrais, de enxergar esta geração que agora envelhece e crianças que agora crescem em um mundo borbulhante e escorregadio, sem nenhuma perspectiva de projeto, destituídas totalmente de fundamentação ou valores nobres e grandes; entristeço-me o tempo todo por dialogar apenas comigo mesmo assuntos que muita gente considera secundariamente, como se refletir ou pensar fosse uma atitude não-humana, desprezível ou, convenientemente patológica!

Estes temas são secundários, sim, se cristalizarmos a mentalidade de que só o que temos é essa nossa rotina mesmídica e frívola, essa bolha diária que se perfaz de forma grotesca e se postura eterna e jovialmente nova como as mercadorias que não possuem, ao estilo melquisedequiano, nem origem, nem fim.

Reconheço que exercitar as regiões da mente que podem nos ajudar a evoluir como seres humanos (e, acredito, além-humanos) é extremamente incômodo, pois nessa viajem não há nada de muito estável, nada tão sólido que não possa sofrer mutações e, entretanto, reside nesse próprio elemento de mutação, mais precisamente de transmutação, a característica peculiar do movimento que o conhecimento pode promover, o caos a partir do qual é possível tudo, o caldeirão de onde todas as coisas podem surgir, nossas infinitas possibilidades, ou mais precisamente, nossa maior e mais brilhante nobreza.

A despeito de toda essa amplitude que temos à nossa disposição diante do contínuo movimentar das estruturas do conhecimento, historicamente a grande massa, a maior parte de todos os homens e mulheres prefere aprisionar-se, acomodar-se a tudo o que já foi padronizado, ao establishment, ao que já foi dado, às trilhas que já foram batidas pelos pés de outras pessoas.
Existem várias gratificações em andar o caminho que já está feito, não devemos desprezar isso de maneira alguma. Há segurança nestes velhos caminhos, algumas coisas e algumas consequências já são adequadamente previstas, há uma certa invariabilidade de reações e efeitos.
Por outro lado, a doença da modernidade é como uma grande inflamação que ocorreu por meio dessa incapacidade de dialogar com a realidade, com o movimento da história, ou da pretensão de acreditar que podemos colocar toda a realidade dentro de uma forma, quase como se fizéssemos dela uma massa modelável e controlável, tal como a de um grande bolo...

Aventurar-se em fazer e desbravar novos caminhos, conhecer e ter acesso a novos espaços, a novas perspectivas, ter a sensação de espreitar lugares (materiais ou não) completamente diversos daqueles que todos já sabem... Isso, definitivamente, não é para todos.

Isso não é para todos, não por pre-destinação, ou por que os outros não sejam capazes, pois se um é capaz, todos são, fazemos parte de uma mesma espécie, todos tem dedo opositor, todos andam eretos, todos pensam. Trata-se de um elemento de necessidade, de utilidade e também de gosto.
As pessoas não querem trilhar outros caminhos, porque já estão incluídos, já tem sentimento de pertencer a um grupo que também percorre nas mesmas direções; não é rentável; não é transitável e desgastaria muita energia, é mais fácil acumular energia (sim, porque o capitalismo não é apenas uma acumulação de dinheiro, mais do que isso, é uma acumulação dentro dos próprios trabalhadores com a intenção de focar a utilização de suas energias apenas para a produção de valor/capital); é gostoso estar em lugares conhecidos, é prazeroso o conforto da permanência.

O conhecimento traz um prazer que é fruto de persistência diante do movimento, ou seja, existe um atrito entre o sujeito que conhece e o próprio conhecimento, é um prazer que advém necessariamente da luta, do embate criador, das forças que vão se interpelando. Daí que possamos compreender porque motivos mais claros o conhecimento causa tanto sofrimento, pois surge das contradições, da luz que atinge os olhos que antes estavam acostumados à escuridão, ou da escuridão que aparece como o contrário da iluminação total, da luz extrema que também pode cegar. De uma ou de outra forma, o conhecimento é fruto de guerra, de jogos, de dunamis (aquilo que é dinâmico, dinamite, força), de agon (combate, luta, de onde surge também agonia, antagonico, protagonista, proto-agonista - primeiro combatente -, antagonista, anti-agonista -  o combatente contrário).

O pensador, ou aquele que assume a postura de pensar, se constitui de forma diversa de todos os outros tipos, porque não pode fugir da agonia de sua intensa vontade de conhecer, muito pelo contrário, ele sabe que é a própria agonia que pode propiciar o conhecimento, é a agonia que lhe dará capacidade para avistar novas direções e os instrumentos necessários para construir um novo caminho!

Sinto-me angustiado diante de tudo isso! Na verdade, sinto-me agoniado! Entretanto, não dá para enquadrar essa sensação em termos de bom ou ruim, necessariamente porque é ambas as coisas, e aqui está o grande mistério de um pensamento agonizante.




5 comentários:

  1. Sim , agonizante essa inquietação interior e busca desenfreada por conhecimento. A todo tempo nossas mentes pensando, analisando tentando tirar do cotidiano uma moral, ou simplesmente dar porquês a certas atitudes. Demasiadamente agonizante. Não se sinta sozinho na busca, se eles sentem-se confortáveis por estar um grupo, nós também temos o nosso, e talvez a solidão faça parte disso , de cada um encontrar respostas diferentes e vislumbrar outras óticas. Com certeza estes que vivem sem se perguntar porquê estão vivos , ou não tem objetivos para isso, estão mortos !

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  2. Minha vontade é a de colaborar de alguma forma, encontrar um jeito de fazê-los acordar. Mas é minha vontade, não a deles. A liberdade reside exatamente em deixar cada um fazer o que lhe aprouver.

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  3. Sabe, Dani, outro dia falava com a Cidália, nossa grande amiga de além-mar, e eu disse a ela que me recuso a buscar conhecimento pela dúvida. Ela, espantada, disse que não há como conhecer sem dúvida, que a dúvida é o início de tudo. Todos nós, desde a modernidade, fomos forjados a pensar que a dúvida é a grande mãe dessa busca, a dúvida metódica, o cogito que advém de todas as incertezas. Bem... Primeiro que não oponho falta de certeza à dúvida. Segundo que o movimento causado pela dúvida obriga, necessariamente, escolhas. E escolhas são, também necessariamente, excludentes.

    Tentei argumentar com ela que, no meu caso, diante de do novo, eu sempre evito ter que escolher e decidir. Por exemplo, em um exemplo bem simples, diante da incerteza sobre a natureza de nossa mente, eu me recuso a trabalhar a partir da dualidade entre uma mente substancial ou uma mente como epifenômeno do cérebro. Simplesmente minha investigação é movida pela curiosidade em saber como é e não pela confirmação da tese que escolho seja lá por quais motivos. Não sei se me entende. Penso que ela quase entendeu, mas não estou certo rs...

    Lendo o que você escreveu (aliás, deliciosa leitura, não só pela reflexão altamente importante, mas pela escrita fluídica e gostosa), percebo que o antagonista (associei rindo com uma anta agonizante rs) não se torna um somente reativamente ao proto-agonista. Parece haver pessoas que naturalmente se colocam como contra os agonizantes, que não querem o movimento, que reagem (reacionários) porque há interesses para que as coisas continuem como são, seja por medo, vantagens ou seja lá o que. Assim como parece haver pessoas que não se colocam como proto-agonistas em reação a uma situação indesejada ou mesmo por necessidade circunstancial, mas sim porque parecem abrigar disposições próprias para tal.

    Calma, não quero com isso traçar uma tipologia fixa, nem postular uma natureza pré-determinada. O que quero dizer com tudo isso é que cada pessoa, por mais que façamos parte de uma mesma espécie, andando eretos, com polegares e pensando, somos uma singularidade com disposições próprias. Se há méritos na extensa pesquisa de Darwin (e realmente há), o seu grande legado foi ter evidenciado que a natureza possui uma única constante fora de seus pontos de equilíbrios contingenciais: o provimento da variabilidade entre os indivíduos de uma mesma espécie.

    Portanto, não há o que seja para todos... Sua frase está corretíssima. Aquele que é protagonista dificilmente será um antagonista, e vice-versa. Cada um de nós, protagonistas ou antagonistas, temos o triste ideal de que o mundo se comporte por autorreferência, mas ele não se comporta assim. E que bom!

    Sim... não há o que seja para todos... Por mais marxianos que somos, essa é uma falha no pensamento dele.

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  4. Mas continue demonstrando como fazer o esforço, como enxergar mais longe, apontar e demonstrar o que e como fazer, sem dúvida é uma forma de ampliar o despertar, parece-me que de fato, estamos quase sempre dormindo...

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  5. Gilberto, eu te entendo e, de fato, tendo a concordar com sua perspectiva também.

    Ao colocar protagonista e anta agonista (hahahahahha), eu escolhi estes termos apenas para aprofundar o entendimento do próprio significado de agon, o combate.
    Necessariamente, separar a realidade em opostos é muito confortável.
    Não é viável procurar englobar/assimilar a multiplicidade de todas as forças que povoam o mundo (qualquer que seja o mundo[s]).
    Partir da dúvida é uma atitude que acaba mesmo em algum tipo de exclusão. No momento em que me encontro, dificilmente aceitarei excluir qualquer experiência, qualquer conhecimento, qualquer percepção que eu possa ter, pois acredito que todas as coisas podem colaborar com um tipo de desenvolvimento (que não precisa ser do tipo linear somente, mas caótico mesmo, para todos os lados, em profundidade, para cima e para baixo, para frente, para trás, para dentro e fora e para além dessas próprias definições de direcionamento - porque também nos acostumamos também a acreditar que desenvolvimento só acontece da esquerda para a direita, de trás para frente, para cima entre outros.

    Sinto que essa falha no pensamento diz respeito exatamente a esse fechamento, a esse engessamento de um tipo só, de um enquadramento que acaba por reduzir até mesmo as possibilidades de vivências e experiências de mundo.

    No fundo, Gilberto, nós estamos em um tempo em que, felizmente, os poucos que pensam, os poucos que buscam o conhecimento, conseguimos intuir uma mudança totalmente diversa das mudanças anteriores... Mas ainda não conseguimos superar ainda a forma-padrão de pensamento a que nos acostumamos por tanto tempo, e isso fica bem explicitado quando, ao pensar, sentimos que nos falta termos melhores, conceitos que deem conta de dizer aquilo que parece estar acontecendo "fora da caixa"... De certa forma, parece mesmo que a nossa linguagem (no sentido mais amplo possível), não dá conta mais de dizer o mundo, o nosso mundo de agora e o que está por vir.

    O niilismo moderno nos obrigou peremptoriamente e do modo mais drástico (e em tão pouco tempo) a não ver permanência em nenhuma teoria, em nenhuma verdade absoluta. E desconfio que já esteja mais do que na hora de pensarmos, como nos alertou, não apenas Nietzsche, mas tantos outros espíritos livres, para além.
    Meu grande problema, no entanto, é que olhando para a história, a grande parte das revoluções negaram, ou como você mencionou a respeito da dúvida metódica, excluiu muita coisa após a cisão. Não acho mais que nos seja dada essa opção, porque já tivemos experiência suficiente para entender que negar um elemento em favor de outro não é suficiente para dar validade a nenhuma escolha. Quer dizer, penso que não estamos mais em condições de "abafar" nada, excluir nada... Desconfio, pelo contrário, que precisamos com urgência assimilar os movimentos, assumir a mudança, sem perder de vista nada do que até aqui já pudemos acessar, em qualquer grande área (ou pequena).


    Simone, sei que nosso esforço não é vão, e devo confessar que mesmo aquelas pessoas que estão dormindo estão fazendo alguma coisa, mesmo que por meio de sonhos.

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